Professora da UFMG é mais uma a rejeitar novas diretrizes

Para Lucíola Santos, além de premissas sobre formação serem equivocadas, o governo não tem legitimidade para fazer a proposta

Foto: Freepik

Texto publicado em 18/10/2019

Rejeição absoluta ao documento. Esta a posição da professora Lucíola Licinio Santos, do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, em relação à 3a versão das Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação docente.

O “absoluta” se deve aqui em parte ao fato de ela sequer ter lido as questões propostas por Trem das Letras para análise. Preferiu desqualificar o proponente, apesar de ter apontado a iniciativa como do governo, quando na verdade o documento apresentado para consulta pública em 23 de setembro é fruto de trabalho do Conselho Nacional de Educação, a partir de propostas anteriores do Ministério da Educação na gestão Michel Temer (PMDB) e do próprio CNE em 2015 (a resolução 2/2015).

Esse primeiro documento deveria ter entrado em vigor em julho de 2017, depois em julho de 2018, mas foi sendo adiado, pois o então ministro Rossieli Soares, hoje secretário de Educação do Estado de São Paulo, alegou que as DCNs deveriam incorporar, como referencial formativo, a Base Nacional Comum Curricular para as etapas da educação básica.

A atual consulta pública termina no dia 23/10, quarta-feira, após o que haverá uma nova redação que irá incorporar algumas considerações feitas no período deste último mês. Outra três professoras envolvidas com a formação docente já foram ouvidas pelo site (Gabriela Moriconi, da FCC), Cristina Nogueira (Instituto Singularidades) e Helena de Freitas (Anfope). O conselheiro e relator da proposta,  as considerações das duas primeiras. As de Helena Freitas chegaram depois. Foram enviadas a ele, mas não houve resposta.

Lucíola Santos argumentou que, após ler o documento que foi entregue para a consulta pública, resolveu rejeitar a proposta.

Em primeiro lugar, por ela partir “de um governo em que não confiamos e de ministério dirigido por um ministro que tem atacado de forma indecorosa as universidades federais”. E, diz ela, ele foi mais além “ao dizer que irá atrás dos professores, chamados por ele de zebras gordas”.

De fato, a habilidade do ministro para dizer impropérios e despautérios já é bastante conhecida e patenteada.

A professora acrescenta ainda uma crítica ao Programa Future-se, visto como “o desmonte da universidade pública brasileira”. Mas além da introdução que denega a possibilidade de análise ou diálogo por não reconhecimento do governo como digno para tal, ela lista ainda motivos para rejeitar o documento. A seguir, os itens que ela menciona, em suas próprias palavras:

“- [O documento] defende equivocadamente a ideia de que os professores são os principais responsáveis pelo desempenho dos estudantes, deixando para trás décadas de estudos da sociologia da educação que mostram que os resultados escolares estão relacionados, primeiramente e mais fortemente, às condições sociocultural e econômica das famílias dos estudantes. Deste modo, este documento parte de uma premissa enganosa de que professores bem formados resolveriam os problemas da educação. 

– Considera que a simples mudança dos currículos dos cursos levaria à formação de professores bem preparados. O equívoco aqui é duplo, porque parte do pressuposto de que todos os cursos mudariam seus currículos de acordo com essa proposta, ignorando as tradições e experiências acumuladas por cada instituição e as diferentes transformações e mudanças que sofre um texto quando interpretado e adaptado à realidade local. O outro equívoco é pensar que teremos professores bem preparados sem alterações nas condições de trabalho e na valorização salarial e social do magistério. Se apenas cerca de 2,4% dos jovens de 15 anos têm interesse pelo magistério, como trazer para as licenciaturas alunos que apresentam bom desempenho escolar? Sem mudanças salariais e de carreira o magistério continuará abrigando um grande número de alunos que não conseguiram ingressar em carreiras de maior prestígio.

– Retoma a ideia de a formação de professores ser oferecida em institutos de formação de professores, tese defendida no governo FHC e rechaçada pelos educadores. 

– Atrela a formação dos professores à BNCC da educação básica, o que gera uma série de problemas, uma vez que não há entre os educadores, sobretudo entre os professores do ensino superior, uma concordância em relação a essas diretrizes, que foram também fortemente criticadas pelos órgãos e associações de docentes. 

– Considera que os professores tanto podem ser formados por cursos presenciais como por cursos a distância, quando sabemos que a formação docente exige cursos presenciais, em que os estudantes possam discutir e tirar dúvidas com seus professores, além de terem o convívio com os colegas e a exposição a experiências diversas que, de forma direta e indireta, vai lhes introduzindo e socializando na profissão.

Por fim, porém não menos importante, essa proposta evidencia que seus elaboradores acreditam que documentos produzidos e implementados de cima para baixo mudariam o cenário educacional e seriam aceitos, sem problemas, pelos professores responsáveis pela formação docente.”

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Curtas

  •   Teve início em 29/06  a websérie “Caminhos do Devir – Volta às aulas pós-Covid-19”, com o debate sobre “Como aplicar a gestão de crises para planejar a volta às aulas de forma segura”. Os educadores e sócio-fundadores da Devir Projetos Educacionais, Luis Laurelli e Eloisa Ponzio, além do consultor Flávio Schmidt, consultor em gestão de crises do Grupo Trama Comunicação, analisaram as estratégias, cuidados e precauções para garantir uma volta às aulas que possa assegurar a saúde de professores e crianças e a tranquilidade das famílias. A conversa teve a mediação do editor do Trem das Letras, Rubem Barros. O encontro marcou também o lançamento do e-book “A Covid-19 nas escolas e o caminho para a retomada do presencial”, disponível para download, que pontua sobre os passos da retomada.  Texto publicado em 25/06/2020

  • O ano de 2020 marca o final do mandato de 12 dos 24 conselheiros do CNE, o Conselho Nacional de Educação. A primeira lista com sugestões de substitutos, deixada pelo ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, provavelmente na correria a caminho do aeroporto, era composta principalmente por olavistas. Gerou resistência até dentro do próprio governo Bolsonaro. Diante do freio, puxado pelos militares, o ministro interino, Antonio Paulo Vogel de Medeiros, está fazendo uma nova rodada de discussão para a escolha de outros nomes.  A Casa Civil será um dos principais interlocutores para definir a lista final. Se o padrão das escolhas continuar o mesmo de outras áreas, é provável que as escolas cívico-militares ganhem fôlego inaudito. Texto publicado em 25/06/2020

  • Além do Fundeb, é preciso ficar de olho na possível votação da Medida Provisória 934, que estabelece normas de excepcionalidade para a educação básica e superior em 2020. O relatório da deputada Luísa Canziani (PTB/PR) manteve entre as emendas que devem ir a plenário a liberação da obrigatoriedade do cumprimento das 800 horas para a educação infantil e de oferta da educação a distância na mesma etapa. A relatora deixa a decisão nas mãos dos gestores municipais. Além de contrariar todas as evidências científicas e pedagógicas que enfatizam os prejuízos da educação a distância para as crianças de até 5 anos, a medida pode significar a abertura da porteira para os grupos privados que atuam no negócio da educação a distância. Com as redes de ensino sufocadas pela falta de dinheiro, com aumento das despesas por causa da pandemia e queda na arrecadação de impostos de até 24%, impactando diretamente no Fundeb, principal fonte de recursos para a educação básica pública, a EAD pode ser vista por muitos como solução milagrosa. Mas será apenas um instrumento para cumprir a obrigação legal de oferta de ensino. E inadequado, no caso da educação infantil. É preciso ver o que falará mais alto, se o rigor burocrático ou o bom senso. Texto publicado em 25/06/2020

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