Foto: Sumaia Vilela/Agência Brasil
A formação inicial dos professores da educação básica tem mudado substancialmente nos últimos anos, sem que isso seja resultado direto de nenhuma política específica visando a esta mudança. O ingrediente principal é a opção da Educação a Distância pela maioria dos ingressantes nos cursos das diversas licenciaturas, o que inclui a pedagogia.
O aumento da modalidade EAD na formação docente é quase quatro vezes maior do que a média das outras áreas, de 2010 a 2017: enquanto o número de ingressantes em EAD de outros cursos subiu 44%, nas licenciaturas essa elevação foi de 162%.
Esse aumento de oferta em EAD tem se dado primordialmente na rede particular de ensino superior. Passou de 29% em 2010 para 53% em 2017. Quando computadas as redes pública e particular, o aumento no período é de 34% para 61%.
Os números fazem parte do levantamento “Estatísticas de Ensino Superior sobre Formação Inicial de Professores no Brasil”, realizado pelo Todos pela Educação e divulgado no dia 15 de agosto.
Até agora, não há política de formação docente
A mudança nesse perfil da modalidade de formação é vista com receio pela instituição e por educadores de vários matizes. A apreensão é maior pelo fato de, em quase oito meses de governo, o MEC já ter passado por duas gestões sem que deixasse sequer entrever sua visão no que tange à formação.
“O MEC lançou apenas algo que chamou de política, mas sem concretude nenhuma. É preciso que os professores sejam bem formados, com apoio em sala de aula”, diz Gabriel Corrêa, gerente de Políticas Educacionais do Todos pela Educação. A referência é a Política Nacional de Alfabetização, documento ministerial que apenas resvala em uma das áreas mais críticas da formação, a de alfabetizadores.
A falta de política governamental para atacar esse problema específico, sabidamente a variável mais importante da educação básica, aliada ao despreparo com que os novos docentes chegam hoje às salas de aula sinaliza para uma piora em termos de aprendizagem nos próximos anos.
O uso de EAD na formação de docentes, argumenta a pesquisa, é restrito em países com nível educacional bem superior ao brasileiro. Estados Unidos, Canadá e Austrália, por exemplo, utilizam a modalidade. Mas na Austrália, dos três o que tem o maior número de alunos que a utilizam, esse índice alcança apenas 25% do total. E, ainda assim, com estágios clínicos em escolas e “rigorosos processos de certificação” de estudantes e instituições.
Na América do Sul, a formação em EAD é vetada, diz o estudo, no Chile e no México e está em vias de sê-lo também no Peru, país que vem tendo boa evolução no Pisa.
Pouca autonomia prejudica formação
No caso brasileiro, como os salários são baixos na grande maioria das redes públicas, o perfil do público atraído para a docência inclui, em sua maioria, estudantes de baixa renda, vindos de famílias com pouco repertório cultural. Muitas vezes, eles são os primeiros universitários da casa.
Isso demandaria uma maior atenção e acompanhamento desses futuros professores, para que possam sanar seus próprios buracos formativos antes de entrarem em sala de aula. E, dada a complexidade dos ambientes escolares, eles teriam de ter a assistência de professores mais experimentados em seus anos iniciais.
Aliás, muitos sistemas mundo afora hoje adotam a perspectiva de formação de uma comunidade educacional, o que inclui interações permanentes entre professores em vários estágios profissionais, de diferentes escolas e de universidades, de modo a fazer com que as experiências vividas em sala de aula sejam absorvidas nos processos formativos. É o caso, por exemplo, de Portugal, Finlândia, Cingapura e Xangai, na China.
“Problema não é a modalidade, é a qualidade”
Mas há quem não veja a EAD como a causa-raiz do problema. Adepto incondicional da tecnologia, Stavros Xanthopoylos, consultor e ex-diretor de EAD da Fundação Getulio Vargas, credita o problema à má qualidade dos cursos de formação. “Há uma parte elitizada e com bons resultados e outros que pecam, independentemente da modalidade.”
Para o professor, que esteve entre os candidatos cotados ao cargo de ministro da Educação no governo Bolsonaro, “estão querendo mirar o futuro com o olho no espelho retrovisor”. Faltam estratégias para boa utilização da EAD, com adequação das metodologias de acesso de modo a facilitar a interação do aluno com o instrumento, diz ele.
“Poderíamos, por exemplo, formar engenheiros via EAD para dar aulas de matemática”, exemplifica, em alusão ao grande número de profissionais qualificados hoje buscando emprego.
Xanthopoylos acredita que, se as instituições de ensino superior gastassem um pouco mais e fossem menos gananciosas, os cursos poderiam ser melhores. Como exemplo positivo, cita os sistemas virtuais de educação utilizados na Flórida desde 1994.
A falta de regulação e supervisão por parte do MEC nos cursos de formação é vista como crítica por Gabriel Corrêa. Não que o problema da EAD seja somente este, relativo à qualidade. “Não há cursos de EAD em direito aprovados”, diz ele, em alusão à força política da Ordem dos Advogados do Brasil para o exercício da advocacia.
“Estamos indo na contramão do que os países mais avançados fazem. E o MEC não diz nada sobre o assunto”, conclui. Contatado às 18h da sexta-feira, 16 de agosto, o MEC disse que já não havia mais ninguém que pudesse responder pelo Ministério. Perguntas foram encaminhadas neste domingo, 18, para que a instituição se posicione.
E o que dizem os professores?
Um dos pontos que mais chama atenção nesse debate é que as próprias instituições que congregam professores e educadores não estejam liderando discussões para a definição do que fazer em relação à formação e à valorização da carreira docente no país. Apesar de a pressão social pela educação ter aumentado nos últimos anos, não parece crível que esse salto possa ser dado sem a participação ativa daqueles que devem ser os principais protagonistas. Se eles não começarem a refletir sobre a régua de excelência que devem perseguir, será difícil buscar a contrapartida da justa remuneração que deve vir em troca.