Se nos anos 40 e 50 a disputa entre as vozes e comportamentos femininos era o meio para atiçar o público a participar de forma intensa de programas e do universo radiofônico em geral, na década de 60 a fórmula seria retomada nos festivais de música popular.
Influenciada desde o seu início pela linguagem do rádio e pelo grande número de profissionais que migraram para o novo meio, a televisão foi pródiga em utilizar estratégias de seu antecessor. Os festivais da Record – a antiga Record de Paulo Machado de Carvalho, não a atual, do Bispo Macedo – eram concebidos como programas de televisão realizados ao vivo. Ao menos assim aconteceu com a edição de 1967, como conta o produtor musical Solano Ribeiro em depoimento veiculado no filme Uma noite em 67 (2010), de Ricardo Calil e Renato Terra.
No documentário, tanto Solano como Paulo Machado de Carvalho relembram a atmosfera daquele 3º Festival de Música Popular, quando cinco grandes nomes da música popular concorreram ao prêmio: Edu Lobo (vencedor com Ponteio), Caetano Veloso (Alegria, alegria), Gilberto Gil (Domingo no parque), Chico Buarque (Roda viva) e Roberto Carlos (Maria, Carnaval e cinzas).
Carvalho é explícito: seria preciso reproduzir o que se fazia nos programas de luta livre (que, por sua vez, também bebiam na matriz dos westerns clássicos) e criar identificação dos perfis dos artistas com o público: o mocinho, o bandido etc. Assim, Caetano e Gil, cuja música era uma esponja de absorção de ritmos diversos, brasileiros ou não, eram os protótipos da inovação; Edu Lobo traduzia uma música tradicionalmente brasileira, naquele momento identificada com a resistência à ditadura e venceu o festival; Chico Buarque (vejam só) entrou como um defensor da tradição (vestido com paletó e gravata, enquanto Caetano e Gil ostentavam visual mais psicodélico). Roberto Carlos, em faceta romântica, não empolgou. Finalmente, sobrou para Sérgio Ricardo, que interpretava Beto bom de bola (dele mesmo, homenageando Garrincha), o papel de vilão: sem digerir as vaias do público, que não o deixou cantar, quebrou um violão e jogou teatralmente na plateia. Porém, foi um teatro levado a sério.
A plateia foi estimulada a torcer para cada um deles. Quanto mais se acirrava a rivalidade, mais o festival repercutia. Hoje, passados 52 anos, ao menos as músicas da dupla Gil e Caetano ali apresentadas permanecem como clássicos da canção popular. Sabiá e Ponteio talvez não tenham resistido tão bem ao tempo. A música de Sérgio Ricardo virou cinza ali mesmo. Mas, mais do que isso, Chico, Gil e Caetano permanecem como grandes referências de uma canção que, também ela, parece restar apenas como memória enquanto outras musicalidades ocuparam o espaço das rádios e das TVs. Ou melhor, das redes sociais, que parece ser onde o mundo hoje acontece.