O fantasma da evasão

Em debate, representante do BID alerta para problema que tende a tornar-se crítico

Foto:Diário do Aço

Texto publicado em 23/06

Um fantasma assombra a educação de vários países neste momento: o tamanho da evasão com que iremos nos encontrar após a devastação da pandemia, que, além de mortes e retração econômica, deverá mudar tanto as condições de oferta quanto as de acesso à educação.

Segundo Marcelo Cabrol, gerente do setor social do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), estima-se que no México, por exemplo, 500 mil crianças não deverão voltar à escola quando as aulas forem retomadas. No Brasil, a educação pública poderá passar pelo mesmo processo, pois são muitos os alunos que não têm acesso à internet, o que os faz perder o pé nos estudos. Cabrol foi um dos dois convidados do debate “Qual o impacto da Covid-19 na educação do Brasil e do mundo?”, ocorrido na segunda, 22/06, na inauguração do encontro on-line “A educação básica no novo cenário: Adaptação e transformação”, promovido pelo Todos pela Educação.

Além de Cabrol, a mesa foi composta por Andreas Schleicher, diretor de Educação da OCDE e coordenador do PISA, e Priscila Cruz, do Todos pela Educação, como mediadora. A análise de Cabrol é que o cenário econômico dos países latino-americanos está se agravando muito com a paralisação ou diminuição generalizada do setor produtivo em todo o mundo, fazendo com que as famílias tenham de atender a necessidades básicas de subsistência, o que pode inviabilizar a presença das crianças na escola.

Outro aspecto que ele destacou, esse referente ao Brasil, é que, nas famílias de mais baixa renda, apenas 20% de jovens e crianças têm um local para estudar em casa, contra 90% daqueles das famílias mais ricas. Um índice claro de que a desigualdade se acentua com o ensino a distância, mesmo quando há conexão à internet.

Já Andreas Schleicher bateu na tecla de que o acesso à tecnologia e o estímulo para que os docentes invistam em novas formas de ensinar são dois pontos fundamentais no processo de refundação da instituição escolar. Para ele, é preciso ampliar o impacto da digitalização para atacar a desigualdade social, usá-la como instrumento. E, mais do que tudo, aproveitar a oportunidade desse cenário de transição para que nos perguntemos “para que educamos?”. E incluir na reflexão os estudantes, de modo que objetivos pedagógicos estejam mais centrados na formulação de opiniões conceitualmente embasadas do que na assimilação pura e simples de conteúdos.

O Uruguai foi o exemplo positivo mencionado no encontro. País de pouca extensão territorial e população em torno de 4 milhões de habitantes, investiu no acesso universal à internet e está mais estável tanto do ponto de vista financeiro como nas respostas à pandemia.

Cabrol não se esqueceu de cobrar mais investimentos dos governos, argumentando que o dinheiro já era pouco e que agora, para combater as desigualdades, mais do que nunca precisará de reforço.

Schleicher não crê que seja fácil aumentar investimentos no pós-pandemia. Acha que a saída está no uso da tecnologia e da imaginação.

Cadastre-se para receber novidades por e-mail

Mantemos os seus dados privados e os compartilhamos apenas com terceiros que tornam este serviço possível.

Curtas

  •   Teve início em 29/06  a websérie “Caminhos do Devir – Volta às aulas pós-Covid-19”, com o debate sobre “Como aplicar a gestão de crises para planejar a volta às aulas de forma segura”. Os educadores e sócio-fundadores da Devir Projetos Educacionais, Luis Laurelli e Eloisa Ponzio, além do consultor Flávio Schmidt, consultor em gestão de crises do Grupo Trama Comunicação, analisaram as estratégias, cuidados e precauções para garantir uma volta às aulas que possa assegurar a saúde de professores e crianças e a tranquilidade das famílias. A conversa teve a mediação do editor do Trem das Letras, Rubem Barros. O encontro marcou também o lançamento do e-book “A Covid-19 nas escolas e o caminho para a retomada do presencial”, disponível para download, que pontua sobre os passos da retomada.  Texto publicado em 25/06/2020

  • O ano de 2020 marca o final do mandato de 12 dos 24 conselheiros do CNE, o Conselho Nacional de Educação. A primeira lista com sugestões de substitutos, deixada pelo ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, provavelmente na correria a caminho do aeroporto, era composta principalmente por olavistas. Gerou resistência até dentro do próprio governo Bolsonaro. Diante do freio, puxado pelos militares, o ministro interino, Antonio Paulo Vogel de Medeiros, está fazendo uma nova rodada de discussão para a escolha de outros nomes.  A Casa Civil será um dos principais interlocutores para definir a lista final. Se o padrão das escolhas continuar o mesmo de outras áreas, é provável que as escolas cívico-militares ganhem fôlego inaudito. Texto publicado em 25/06/2020

  • Além do Fundeb, é preciso ficar de olho na possível votação da Medida Provisória 934, que estabelece normas de excepcionalidade para a educação básica e superior em 2020. O relatório da deputada Luísa Canziani (PTB/PR) manteve entre as emendas que devem ir a plenário a liberação da obrigatoriedade do cumprimento das 800 horas para a educação infantil e de oferta da educação a distância na mesma etapa. A relatora deixa a decisão nas mãos dos gestores municipais. Além de contrariar todas as evidências científicas e pedagógicas que enfatizam os prejuízos da educação a distância para as crianças de até 5 anos, a medida pode significar a abertura da porteira para os grupos privados que atuam no negócio da educação a distância. Com as redes de ensino sufocadas pela falta de dinheiro, com aumento das despesas por causa da pandemia e queda na arrecadação de impostos de até 24%, impactando diretamente no Fundeb, principal fonte de recursos para a educação básica pública, a EAD pode ser vista por muitos como solução milagrosa. Mas será apenas um instrumento para cumprir a obrigação legal de oferta de ensino. E inadequado, no caso da educação infantil. É preciso ver o que falará mais alto, se o rigor burocrático ou o bom senso. Texto publicado em 25/06/2020

Redes Socias