Elza Fiuza/Agência Brasil

Os freios que emperram a formação

Questões se repetem ao longo da história e fragilizam a atuação do professor

Foto: Elza Fiuza/Agência Brasil

Um atrito constante entre tradição e mudança marca a história da formação de professores no Brasil desde que ela pode ser analisada como uma política de Estado, ainda que incipiente, a partir do século 19. É com este olhar que as autoras de Professores do Brasil: Novos cenários de formação (Fundação Carlos Chagas e Unesco) analisam as ações e ofertas formativas que temos presenciado.

Como em outras áreas da administração pública brasileira, há questões arraigadas que resistem ao tempo como doenças crônicas. Sem falar na falta de investimentos e de prioridade, consensuais, uma das mais perseverantes é a descontinuidade de políticas. Por motivos diversos, tais como a troca de governos, opiniões pouco alicerçadas na experiência, achismos e intuições.

“Em vários momentos de nossa história educacional ignoramos e extinguimos iniciativas interessantes para a formação de professores, realizando mudanças apenas a partir de opiniões de grupos, sem considerar importantes dados de realidade”, escrevem Bernardete Gatti, Elba Barreto, Marli André e Patrícia de Almeida. O comentário vem após a memória da desativação dos Centros Específicos de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (CEFAM) implantados nos anos 1980 e desativados uma década depois em função de a LDB exigir formação em nível superior também para os principais beneficiários dos centros, os docentes da educação infantil e dos anos iniciais do fundamental.

Por sinal, resta como um dos grandes problemas da formação a falta de identidade da licenciatura em pedagogia, cujo objetivo de valorizar o nível superior – colocando no mesmo plano professores alfabetizadores e da educação infantil, diretores, supervisores, coordenadores –, resultou num “mar de atribuições e aptidões (16), sem formar, efetivamente, para o exercício em sala de aula”. Esse objetivo, ressaltado pela LDB de 1996 e por mudanças legais feitas em 2006, já havia sido posto em cena a partir da reforma universitária de 1968 (Lei 5.540), que privilegiara a formação superior em detrimento dos cursos normais.

Outro exemplo, este mais recente, de mudanças constantes em políticas públicas é o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), iniciativa que teve origem na experiência do município de Sobral (CE), em 2004, encampada em 2007 pelo governo estadual cearense, o Plano de Alfabetização na Idade Certa (Paic).

O Pacto Nacional foi criado em 2012, quando César Callegari era o secretário de Educação Básica. A partir de 2013, começou a proporcionar uma série de ações de formação às redes e professores, que aderiram de forma voluntária. Previa, também, uma edição anual da ANA, a Avaliação Nacional da Alfabetização.

Começaram aí as mudanças. Callegari já havia deixado o cargo quando, depois da primeira avaliação, decidiu-se mudar a periodicidade para bienal. Depois da queda do governo Dilma Rousseff (PT) e da aferição de resultados ruins na terceira edição da ANA, a então ministra, Maria Helena Guimarães, anunciou o lançamento de uma nova Política Nacional de Alfabetização e do Programa Mais Alfabetização.

A intenção era antecipar de oito para sete anos a idade limite do processo de alfabetização e colocar professores assistentes (estudantes de pedagogia) nos dois primeiros anos do fundamental 1, além de outras ações formativas. Mas, com a entrada em cena do governo Bolsonaro (PSL), um novo foco foi dado: a priorização das experiências que utilizam o método fônico, defendido como única alternativa efetiva pelo novo secretário da área, Carlos Nadalim. O plano de Nadalim  ainda não é do conhecimento público, visto que o secretário não tem concedido entrevistas.

Assim, num período de sete anos, de 2012 a 2019, um objetivo central das políticas públicas educacionais como a alfabetização passou por quatro diferentes orientações, com mudanças sempre mais acentuadas em termos de concepção.

Cabo de guerra

No plano das licenciaturas disciplinares, resiste também um antigo antagonismo entre dois elementos que pedem integração: o conhecimento específico sobre o objeto a ser ensinado e o conhecimento pedagógico sobre esse mesmo objeto. Nascida no início das licenciaturas, quando começaram a formar docentes para o então curso secundário no esquema 3 por 1 – três aulas sobre a disciplina, uma sobre didática/pedagogia – essa cisão continua presente na formação. Pior: está também nos resultados dos alunos, pois favorece a persistência do não entendimento acerca dos processos de aprendizagem.

Em parte derivada desse problema, há outra recorrência de teor próximo, chamada pelas autoras de “ideário dualista”: alguns professores advogam um “compromisso político” do exercício da docência, voltado à exposição dos alunos para as questões da cidadania, enquanto outros preferem restringir sua atuação ao universo das “competências técnicas”.

Desse ponto de vista, há uma redução do potencial da vida escolar, como apontam as autoras ao citarem José Sérgio de Carvalho, professor de filosofia da educação da Feusp. Estaríamos passando – não só no Brasil, mas no mundo – por um “esvanecimento do sentido existencial da experiência escolar”. “Um dos mais claros sintomas nesse âmbito pode ser detectado pela dificuldade atual em se imputar à experiência escolar qualquer sentido existencial…”.

Ou seja, na busca por uma escola eficiente, acabamos por nos prender a referenciais exclusivamente de medição da aprendizagem, sem dúvida importantes, mas que constituem apenas uma parte de um processo mais amplo que é a educação. O lugar-comum dos comentários sobre o desinteresse dos alunos muitas vezes nos reporta à questão que, segundo esses relatos, incomodaria os estudantes: “qual o sentido dessa experiência?”. O que será que responderiam os professores em relação à mesma questão?

Cadastre-se para receber novidades por e-mail

Mantemos os seus dados privados e os compartilhamos apenas com terceiros que tornam este serviço possível.

Curtas

  •   Teve início em 29/06  a websérie “Caminhos do Devir – Volta às aulas pós-Covid-19”, com o debate sobre “Como aplicar a gestão de crises para planejar a volta às aulas de forma segura”. Os educadores e sócio-fundadores da Devir Projetos Educacionais, Luis Laurelli e Eloisa Ponzio, além do consultor Flávio Schmidt, consultor em gestão de crises do Grupo Trama Comunicação, analisaram as estratégias, cuidados e precauções para garantir uma volta às aulas que possa assegurar a saúde de professores e crianças e a tranquilidade das famílias. A conversa teve a mediação do editor do Trem das Letras, Rubem Barros. O encontro marcou também o lançamento do e-book “A Covid-19 nas escolas e o caminho para a retomada do presencial”, disponível para download, que pontua sobre os passos da retomada.  Texto publicado em 25/06/2020

  • O ano de 2020 marca o final do mandato de 12 dos 24 conselheiros do CNE, o Conselho Nacional de Educação. A primeira lista com sugestões de substitutos, deixada pelo ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, provavelmente na correria a caminho do aeroporto, era composta principalmente por olavistas. Gerou resistência até dentro do próprio governo Bolsonaro. Diante do freio, puxado pelos militares, o ministro interino, Antonio Paulo Vogel de Medeiros, está fazendo uma nova rodada de discussão para a escolha de outros nomes.  A Casa Civil será um dos principais interlocutores para definir a lista final. Se o padrão das escolhas continuar o mesmo de outras áreas, é provável que as escolas cívico-militares ganhem fôlego inaudito. Texto publicado em 25/06/2020

  • Além do Fundeb, é preciso ficar de olho na possível votação da Medida Provisória 934, que estabelece normas de excepcionalidade para a educação básica e superior em 2020. O relatório da deputada Luísa Canziani (PTB/PR) manteve entre as emendas que devem ir a plenário a liberação da obrigatoriedade do cumprimento das 800 horas para a educação infantil e de oferta da educação a distância na mesma etapa. A relatora deixa a decisão nas mãos dos gestores municipais. Além de contrariar todas as evidências científicas e pedagógicas que enfatizam os prejuízos da educação a distância para as crianças de até 5 anos, a medida pode significar a abertura da porteira para os grupos privados que atuam no negócio da educação a distância. Com as redes de ensino sufocadas pela falta de dinheiro, com aumento das despesas por causa da pandemia e queda na arrecadação de impostos de até 24%, impactando diretamente no Fundeb, principal fonte de recursos para a educação básica pública, a EAD pode ser vista por muitos como solução milagrosa. Mas será apenas um instrumento para cumprir a obrigação legal de oferta de ensino. E inadequado, no caso da educação infantil. É preciso ver o que falará mais alto, se o rigor burocrático ou o bom senso. Texto publicado em 25/06/2020

Redes Socias