Foto: Freepik (crianças europeias com máscaras)
Texto publicado em 24/06/2020
A volta às aulas presenciais após a pandemia de Covid-19 é objeto de temor coletivo e, ao que parece, está apavorando os educadores em geral e as famílias. Essa impressão, decorrente, entre outros indícios, do número de acessos a notícias que tratam da questão, foi confirmada na tarde desta terça-feira, 23/06, durante o segundo dia dos Encontros On-line “A educação básica no novo cenário: adaptação e transformação”, promovido pelo Todos pela Educação.
Os motivos para o receio são variados – e talvez cumulativos – mas ficaram bem expressos em consulta ao público que acompanhava o debate virtual (no total, mais de 800 pessoas). Em uma escala de 1 a 10 sobre a confiança para a volta, sendo 10 o maior grau de confiança possível, a média ficou em 3,7.
O debate que reuniu os secretários de Educação de Pernambuco, Fred Amancio, de Minas Gerais, Júlia Sant´Anna, e de Salvador, Bruno Barral, com mediação de Olavo Nogueira, clareou vários pontos acerca do que já se sabe e do que ainda não sabe sobre a volta aos espaços físicos de aula. Na prévia a esse debate, Priscila Cruz, do TPE, conversou com o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite.
Saúde: protocolos e dúvidas
A introdução do tema sobre a retomada das aulas presenciais foi feita com a apresentação de uma entrevista com uma mãe, que relatou sua apreensão com o processo, principalmente no que diz respeito às crianças menores. Ela questionou como fariam na sala de seu filho menor, em que estudam 25 crianças, em relação à questão dos contatos físicos, compartilhamento de brinquedos, uso de máscara e outros protocolos, duvidando que seja possível fazer crianças pequenas seguirem algumas das medidas.
Sua posição foi, de certa forma, reforçada pelos gestores. No entanto, eles tentaram mostrar o que está sendo articulado para uma volta segura. Fred Amancio, de Pernambuco, destacou três documentos que serão oferecidos por sua rede para servirem de guia no processo: o protocolo serial, as orientações pedagógicas e o Plano Executivo de Retomada das Aulas Presenciais.
O protocolo setorial, explicou o secretário, será estabelecido pelas autoridades de saúde. O retorno da educação infantil deverá ser protelado e, para quem retornar, haverá redução do número de estudantes por sala, que provavelmente resultará num rodízio entre os alunos e na adoção de um modelo híbrido entre presencial e não presencial. No caso do protocolo de saúde, o secretário destaca a função essencial das ações em duas frentes: clareza na comunicação e monitoramento cotidiano.
Resta a dúvida em relação a como será efetivado o rodízio dos alunos e suas consequências tanto sobre o aprendizado como sobre o impacto disso nas relações do grupo entre si e entre alunos e professores.
Instado a responder como seria o retorno da educação infantil em Salvador, foco escolhido em função da responsabilidade municipal sobre a etapa, Bruno Barral relatou que há pressão, sobretudo das escolas particulares, para que a educação infantil retorne mais cedo. Segundo Barral, é preciso que os alunos tenham maior maturidade e disciplina para seguir os protocolos do que as crianças menores estão em condições de ter, até porque há certas questões que fazem parte de seu desenvolvimento emocional e cognitivo, como o toque e a brincadeira próxima aos colegas.
Sendo assim, o retorno não começará pelas crianças menores. Uma das determinações, porém, será para que, quando isso acontecer, haja o máximo possível de atividades ao ar livre, onde a propagação do vírus é cerca de 20 vezes menor que em lugares fechados, dizem estudos internacionais.
Segundo o secretário, será dada prioridade àqueles que estão no processo de alfabetização e pré-alfabetização, que demanda um acompanhamento presencial.
Barral também falou que a Prefeitura de Salvador está realizando mapas de calor dos bairros para aferir onde há mais casos de Covid-19. Ele aventou a possibilidade de serem feitos bloqueios localizados, em determinadas áreas.
Já a secretária de Minas Gerais, Júlia Sant´Anna, relatou que está em estudos uma relação ideal, um algoritmo, para determinar o número de alunos por sala. E também que se analisará o que terá menos impacto no processo, se a adoção de um rodízio entre a frequência em turno ou contraturno, ou a ida a uma escola próxima que tenha mais espaços livres.
Sant´Anna realçou ainda o fato de que as decisões serão tomadas em conjunto com a Undime, que reúne os secretários municipais de Educação, e representantes das escolas privadas. A secretária lembrou que o transporte escolar é um ponto delicado, pois os locais fechados são sempre mais críticos.
Formação docente
Quanto à fala do governador Eduardo Leite (RS), mais centrada na gestão da pandemia como um todo, chamou atenção um aspecto em seu comentário final, sobre a formação de professores. Seguindo a cartilha do que hoje se considera boa gestão, Leite falou que é preciso medir os resultados para aferir a “assimilação de novos conteúdos, modelos e métodos”, tendo essa medição, segundo se pôde depreender, o poder de avaliar o que é ou não uma boa formação.
A afirmação é um tanto temerária, pois as necessidades formativas da docência estão além dos métodos e das didáticas. Ambos são, sim, imprescindíveis, mas sozinhos não formam um professor. São capazes, talvez, de treiná-los para o seu exercício, sem possibilitar o contato com dimensões maiores da formação, atreladas a uma sólida formação cultural que lhes permita ler o mundo. Ler o mundo para entender as diversas situações em que os métodos precisam ser adaptados, trocados ou até mesmo criados em função das circunstâncias. Na educação, como na guerra ou no combate à pandemia, mais do que nunca vale a máxima de Ortega y Gasset, que dizia algo como “eu sou eu e minha circunstância”. Ou seja, os absolutos costumam ceder lugar ao contato com a realidade.