Foto: Gustavo Morita
Texto publicado em 29/04/2020
Quando fui mãe pela segunda vez, em 2006, e minha filha nasceu com síndrome de Down, não existia dúvida sobre o fato de que uma criança com deficiência deveria estudar numa escola comum. Treze anos se passaram, Zoë está no 7.º ano, e uma das pautas da agenda educacional no país é a revisão da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI) de 2008, que pode, justamente, fortalecer as escolas e salas especiais, exclusivas para alunos com deficiência.
A Política de 2008, alinhada com o modelo social de deficiência, firmou as bases para a inclusão educacional, o que resultou em mais de 1 milhão de matrículas de alunos com deficiência em escolas comuns em 2019.
No modelo social, a deficiência não está no indivíduo – embora esta seja uma de suas características -, e sim nas barreiras de toda sorte que existem na sociedade. Este paradigma substitui o do modelo médico, que entende que a deficiência define o indivíduo.
Apesar de toda a legislação brasileira relacionada à deficiência se assentar no modelo social, o modelo médico não deixou de existir ao longo desse tempo no debate público. Pelo contrário, persiste uma disputa entre essas concepções, que está no pano de fundo da atual proposta de revisão da Política de 2008, analisada nesta entrevista por Maria Teresa Eglér Mantoan, coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisa sobre a Diferença (Leped) da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Desde 1996, sob o comando de Mantoan, o Leped é um núcleo vivo e irrequieto que se dedica ao estudo da educação e da inclusão, orientado pelas premissas de uma escola para todos e da diferença irredutível que singulariza cada um.
Há pouco mais de um ano, me juntei ao grupo de estudos do Laboratório na expectativa (ainda não concretizada) de transformar minha vivência como jornalista de educação e mãe de uma garota com Down num projeto de doutorado. Mas, mesmo antes disso, Mantoan já era uma fonte incontornável toda vez que escrevia uma matéria sobre inclusão.
Com ela, aprendi (e aprendo) a desviar das armadilhas da visão do senso comum sobre a educação inclusiva – presente naquelas falas acerca das “necessidades” dos alunos com deficiência ou sobre os empecilhos impostos pela “falta de condições” do professor e da escola para atendê-los. Falas como essas acabam por reforçar a exclusão e tiram o foco do debate daquilo que realmente importa: como construir uma escola que acolha todos?
Nesta entrevista, Manton revisita a Política de 2008 com os olhos de quem foi uma das protagonistas dessa história e como a intelectual incansável em sua luta pela educação inclusiva. Mostra que, em nome do direito das pessoas com deficiência, a proposta de revisão pode levar ao movimento contrário, ou seja, à segregação dos alunos com deficiência, numa configuração bem diferente daquela que existia em 2006 e que se institucionalizou com a Política de 2008.
Que avaliação a senhora faz da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008?
Faço uma avaliação positiva da Política de 2008, tendo em vista o pouco que se tem feito para que se compreenda o alcance da proposta e para que ela seja implementada nas escolas. A forte adesão de muitos professores e famílias, contudo, faz crescer regularmente o número de matrículas de alunos da educação especial nas escolas comuns. Esse é um fato incontestável. Temos muitos na contramão da Política – escolas públicas, particulares, instituições especializadas. Para que a inclusão se efetive, de fato, e demonstre todo o seu potencial em relação à melhoria do ensino para todos os alunos, há que se compreender que o modo como a educação está acontecendo nas nossas escolas é o maior problema a ser resolvido, e não os alunos que estão tendo acesso a elas.
E qual o maior problema da escola nesse sentido?
A escola é insistentemente convocada a ser mais forte e exigente em relação ao aprendizado dos alunos, mas não muda seus procedimentos pedagógicos, forçando-os a aprender por meio de um processo de reprodução de conhecimentos, que não leva em conta as especificidades, capacidades e interesses de cada estudante. Enquanto não cair na real e perceber que cada aluno é uma pessoa singular, que tem condições próprias, peculiares, temporais de aprender e de produzir, de criar diante dos conteúdos de estudo, vai continuar a excluir alguns. E os excluídos sempre serão aqueles que fogem a um pseudomodelo de estudante, os que atrapalham a turma, não acompanham os colegas na aprendizagem, que são indiferentes, indisciplinados.
A questão não é simples. A Política de 2008 foi elaborada na “perspectiva da educação inclusiva”, como seu nome indica. Como fazê-la acontecer, se nada muda na escola, se continua excludente, conservadora? A formação inicial dos professores e as que ocorrem em seguida nas escolas e fora delas também não se movem em direção à inclusão, desconhecendo-a em seus propósitos. Infelizmente, ainda entendemos como educacional um projeto fechado, pronto, pelo qual o aluno absorverá um conjunto de conhecimentos escolhidos de fora, obrigatórios e sem os quais se admite que os alunos não poderão viver no mundo de hoje. Essa formação, contudo, está a léguas do que os alunos necessitarão para esse fim.
Quais são os pontos conflitantes da nova proposta de reformulação com a Política de 2008?
A Política de 2008 se baseia no Modelo Social de interpretação da deficiência, enquanto a anterior, de 1994, se baseava no Modelo Médico da deficiência e, por isso, admitia a exclusão de seu público-alvo em escolas e classes especiais. Esse é um ponto conflitante entre a proposta atual de mudanças, cujos fundamentos voltaram a ser os do modelo médico da deficiência. A partir de 2008, em razão do modelo social de interpretação da deficiência, a educação especial não se centra exclusivamente na pessoa com deficiência – seus problemas físicos, intelectuais, sensoriais e outros, mas nas barreiras físicas, comunicacionais, atitudinais que ela enfrenta para viver, ter acesso, participar da escola, da sociedade em geral, com a maior independência possível. Isso muda tudo! Outra grande mudança, decorrente desse modelo de interpretação social trazido pela Política de 2008 foi a educação especial ser considerada uma modalidade de ensino e não mais um subsistema paralelo de ensino.
Como toda modalidade, ela passou a ser complementar e transversal a todos os níveis e etapas de ensino – da educação infantil ao ensino superior. A educação especial perdeu seu caráter substitutivo do ensino comum para alunos com deficiência, e as escolas e classes especiais, em consequência, deixariam de existir. Isso é ainda muito polêmico para as instituições especializadas em pessoas com deficiência, pois perderam o público-alvo de suas escolas e seu poder sobre pais, alunos e professores que faziam parte delas.
A Política de 2008 também mudou o público-alvo da educação especial, certo?
Sim, houve uma nova delimitação, contemplando alunos com deficiência, com transtornos do espectro do autismo e com altas habilidades/superdotação. Antes, qualquer estudante com problemas de aprendizagem corria o risco de ser encaminhado para uma classe ou escola especial. Esse público dilatado de alunos retirava das classes comuns os alunos com “problemas”.
Atualmente, o Ministério da Educação propõe uma renovação da Política de 2008 para restabelecer o que a educação especial era anteriormente, pois entre outros retrocessos, está propondo a volta de escolas e classes especiais. Retoma o modelo médico de interpretação da deficiência, dá força aos laudos médicos, aos diagnósticos biopsicossociais e outros instrumentos que servem para reafirmar a necessidade de certos alunos serem atendidos nas classes e escolas especiais. A ideia da educação especial substitutiva ainda é muito forte, infelizmente. O seu entendimento como modalidade complementar não foi assimilado pelas escolas comuns e, como já dissemos antes, conta muito para elas existir um lugar para encaminhar os alunos que não cabem no padrão instituído.
A tendência é que, se essa reformulação for aprovada, daqui a algum tempo os alunos da educação especial possam ser convidados a sair da escola comum?
Ah, sim, como, aliás, sempre aconteceu. Há professores, diretores que dizem aos pais: “ah, mas no caso dele é melhor que esteja na escola especial”. E isso tem uma força muito grande para algumas famílias menos avisadas. As escolas especiais ainda existentes recuperam esses alunos e todos ficam muito felizes e acomodados.
A escola comum considera os alunos da educação especial muito difíceis de “serem ensinados”, pois eles não cabem nas malhas reprodutoras do ensino que é oferecido nas suas salas de aulas. Eles representam uma pedra no sapato dos professores, coordenadores pedagógicos. Daí a tendência de quererem se desfazer deles por esse e outros motivos menos relevantes. Enfim, eles são alunos difíceis de “enquadrar” no modo de ensinar que a maioria das escolas adota.
Ainda é preciso considerar que as escolas comuns, para que possam ofertar a educação especial, segundo a Política de 2008, têm de oferecer, obrigatoriamente, um novo serviço da educação especial, o Atendimento Educacional Especializado – AEE. Esse serviço é que responde pelo caráter complementar da educação especial, como modalidade de ensino. O AEE vai dar condições de cada aluno com deficiência ter acesso às salas de aulas do ensino comum, pela remoção das barreiras físicas, atitudinais, comunicacionais que o impedem de participar das aulas com seus colegas de turma. Esse serviço promove a inclusão, porque seus professores investigam, estudam cada caso, em função dessas barreiras e atuam no sentido de desobstruir as travas para que cada aluno possa aprender, segundo suas capacidades, sem nada que possa diferenciá-lo dos demais colegas quanto ao conteúdo pedagógico das aulas. Daí a minha luta implacável contra as adaptações curriculares, as atividades facilitadas, os objetivos educacionais limitados de professores e a presença de auxiliares apoiadores desses alunos. Tudo isso nada mais é do que deslocar a velha maneira de se fazer educação especial para as salas de aula comuns.
O MEC, nessa proposta de mudar aspectos fundamentais da Política de 2008, pretende distorcer/mudar as funções desse serviço e as atribuições dos professores de AEE, como o serviço que sustenta o caráter complementar da educação especial. A proposta dessa falsa atualização é incluir apenas alguns alunos, ou seja, aqueles que têm condições de “acompanhar a turma” (e esse acompanhamento é falso ou verdadeiro para todos os alunos?). Aqueles que não têm essa condição vão voltar às escolas e classes especiais.
Eis aí outro conflito.
A escola comum precisa entender, urgentemente, que a educação especial na perspectiva da educação inclusiva é outra. E também os pais de alunos, pois com a inclusão os benefícios recaem sobre todos os alunos. E penso que o papel dos pais que entenderam a educação inclusiva e a defendem são os maiores responsáveis pelo fato de o número de alunos da educação especial nas escolas comuns não ter parado de crescer, a despeito das forças contrárias das escolas, das instituições especializadas e outros.
E essa proposta de política reformulada é adequada à legislação vigente?
Não, porque nossa legislação não se organiza a partir da máxima “dar aos iguais tratamento igual e aos diferentes um tratamento diferente”. Isso está implícito nos textos da reformulação pretendida. Por isso, do ponto de vista legal, podemos e sempre iremos contestá-la juridicamente. Porém, os pais têm medo de ir à justiça. E a justiça também tem medo, se sente muito tocada pela situação das pessoas com deficiência, supondo que é um desafio muito grande para a família manter os filhos na escola comum, que ela representa mais um problema para os seus filhos.
Muitos operadores da justiça vêm de uma realidade de escola tradicional, ou seja, a escola que cobra, que exclui, e eles entendem que os alunos da educação especial que estão incluídos não podem aprender “como”, “quanto” e “com” os demais. E ainda, as pessoas, no geral, não acreditam na justiça como um bom caminho para resolver os problemas de seus filhos, pois eles ficam mais expostos à exclusão. A sociedade em geral e as escolas, em particular, se aproveitam desse clima.
Contudo, efetivamente, podemos afirmar com segurança que essa reformulação da Política de 2008 não tem, do ponto de vista legal, condições de ser implementada no Brasil. A começar pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que foi incorporada à Constituição Federal de 1988 e tem força de lei no Brasil. E ainda porque a Constituição estabelece que a educação é um direito de todos. E como a educação substitutiva se dá fora da escola, entre especialistas e pessoas com deficiência, ela não se enquadra nesse preceito.
Isso desvirtuaria o sentido da educação especial, não?
Nós não formamos pessoas cegas, por exemplo, para conviverem com pessoas cegas. Nós as formamos para viver na sociedade, com todos os outros, no mundo como ele é. A educação não é feita para preparar as pessoas para conviverem unicamente ou preferencialmente com determinados grupos identitários, falsamente formados, na maioria das vezes, para atender a outros motivos, que não a inclusão.
A categorização das pessoas com base em um dado atributo, não dá conta do que ela é por inteiro. Uma pessoa com uma deficiência não se define apenas por essa deficiência. Mesmo dentro de um mesmo grupo identitário existirão sempre diferenças sem conta entre as pessoas que o compõem. Nenhuma pessoa se resume a uma categoria.
Quais podem ser as consequências da proposta de reformulação da Política de 2008 nas escolas e nos estudantes?
Se a proposta da nova política for aprovada e não tivermos uma força igual do outro lado para impedir esse retrocesso, voltaremos à Política de 1994. Tudo isso se vislumbra nas propostas de mudanças que estão sendo divulgadas, como aquelas a que já nos referimos e seus desdobramentos. Alguns podem argumentar que hoje existem escolas especiais ditas regulares e que resistiram à inclusão. Se existem é porque não houve uma ação decisiva para que deixassem de existir! Embora algumas delas tenham autorização para funcionar, como uma escola pode ser regular, se seus alunos não representam a população local, não correspondem a uma amostra de nossa população?
Há muitos alunos que conseguimos livrar, judicialmente, das escolas e classes especiais, contando com o apoio de órgãos da justiça, como a Procuradoria Geral, Promotorias, Tribunais de Justiça. A reformulação da Política de 2008 também tem sido obstada por determinação judicial.
Hoje, temos condições e argumentos legais para combater essas práticas de exclusão que estamos vendo acontecer com os alunos da educação especial. Às vezes, o entendimento de alguns pais, juízes, promotores ainda é titubeante frente à inclusão. Se depender da escola, vai ser difícil impedir essa volta à exclusão de alguns alunos, porque um bom número delas enxerga o aluno com deficiência como um problema para que possam atender às prescrições da educação brasileira, pois têm uma concepção desatualizada, que exige dos professores, das crianças e dos jovens um comportamento excludente, na maioria dos casos.
A defesa da inclusão começa na família dos excluídos em geral e dos pais de alunos da educação especial. Mas as famílias se sentem reticentes para se indispor com a escola que recusa matrícula, que estabelece cotas para pessoas com deficiência, por exemplo.
E por que todos os pais de alunos não se juntam nesse pleito? Acho que eles deveriam ser mais incisivos. E, mais, os pais dos que não fazem parte do grupo da educação especial têm condição de reconhecer que a escola ganha outro sentido quando existe a possibilidade de todo mundo estar numa mesma turma. Porém, eles acabam sendo envolvidos pela conversa de produtividade, dos ganhos de aprendizagem e outros papos que a escola propala.
E com relação à formação dos professores da sala comum e dos profissionais do AEE, que tipo de progresso tivemos com a Política de 2008?
Os profissionais de AEE poderiam ter tido todo tipo de formação presencial, a distância, em cursos de especialização, extensão etc., mas faltou em um dado momento uma direção bem clara do MEC em relação à Política, além de tempo e financiamento para esse fim. Nos anos iniciais de sua implementação, havia todas as condições para que essa formação acontecesse e aconteceu, efetivamente. A partir do governo Dilma, começou a degringolar; tudo piorou ainda mais no governo Temer. Agora, todos sabemos o que os governantes querem fazer da educação inclusiva, haja vista a proposta de reformulação da Política. Faltou investimento financeiro e principalmente tempo para que esse investimento se consolidasse com a formação dos professores na perspectiva inclusiva da educação especial. E também para que as escolas comuns tivessem uma noção diferente do papel da educação especial, a partir de seus professores de AEE e de todas as diretrizes educacionais da Política de 2008.
Não houve no sistema educacional uma absorção do sentido da inclusão como meio para melhorar a qualidade da nossa educação de maneira generalizada.
Naquela época também ganhou força a discussão em torno da BNCC na educação. A visão de educação e de escola que ela trouxe consigo dialoga com a Política de educação inclusiva de 2008?
O tempo todo houve conflitos ideológicos, metodológicos, educacionais, de visão de mundo, que tangenciam a educação e a inclusão. O Brasil sempre se incomodou muito com seu posicionamento nas provas internacionais de aprendizado escolar, com a nossa posição nesse ranking. A BNCC é uma forma de garantir que todas as escolas ensinem a mesma coisa para ter controle sobre se estão conseguindo melhores resultados ou não. Todo currículo é necessário, mas, como já disse o professor Tomaz Tadeu da Silva [da UFRGS], o currículo é o documento de identidade de cada escola. Não é uma simples lista de conteúdos programáticos ditados de fora dela, que divide em sequências aquilo que os alunos aprenderão em um determinado ano escolar. Não podem ser uniformizados, porque currículo tem a ver com os alunos, os professores onde a educação acontece, com seu território, com o que os alunos já conhecem dos conteúdos e de onde vão partir para entender mais e melhor o mundo que os cerca e ir além.
Então, o que acontece? Perdemos tudo isso. Nossos currículos, se já não eram concebidos dessa maneira, agora, com a Base, não serão o documento de identidade de cada escola. Porque se ela foi definida, as escolas passarão a se prender e a se limitar àquilo que é ditado de cima para baixo por suas linhas.
Tudo bem se a BNCC diz que temos de ensinar as quatro operações, mas dentro de um contexto em que a escola possa partir do que os alunos já conhecem e querem conhecer desse conteúdo para complementar o que já sabem, para resolver suas dúvidas a respeito, para ampliar esse conteúdo de aprendizagem. Embora os defensores da Base digam que isso vai acontecer, a tendência é que não aconteça. Na escola, não se mexe no que vem pronto. Passa-se a exigir que aquele conjunto de conteúdos programáticos seja esgotado, repetido.
Ou seja, a escola tem dificuldade de lidar com o novo, seja ele qual for?
Quem não vê a escola como um lugar de desenvolvimento relacionado às pessoas que fazem parte dela e ao mundo que a circunda, considera a inclusão ou qualquer novidade na escola um problema. Porque a escola parte de um modelo universal, geral, que a destitui de tudo aquilo que é próprio dela, como uma instituição que tem (ou deveria ter) um documento de identidade e deveria tender sempre para o novo.
E o que é preciso fazer em termos de formação de professores e gestores para que exista uma escola realmente inclusiva?
A primeira coisa é colocar os formadores de professores e os professores dentro do que é o mundo de hoje. O mundo, hoje, demanda transgressão e criatividade, que é tudo de que a escola não gosta. A escola sempre foi “regulada”. Não é à toa a designação “escola regular”! Sempre se acha que a escola não está regulada o suficiente e impõem-se sobre ela mais e mais regulações. Que escola é essa? Vejo isso quando dou aulas nos cursos regulares da Faculdade de Educação [da Unicamp], nos encontros com professores nas redes de ensino. Eles todos estão sempre buscando o padrão, o regular, o como fazer para regular. Eles me perguntam: “o que devo saber para ser um bom professor?”.
Ora, os requisitos para ser um bom professor não se esgotam nas disciplinas da faculdade. Pelo contrário. A pergunta desses alunos deveria ser outra: o que eu preciso entender que não está ali, no que já é conhecido, ensinado, mas que está subjacente e encoberto na nossa educação, para se ter uma visão diferente de escola? Não há mundo sem recriação, sem transgressão. O que o Brasil está fazendo para se qualificar na área educacional? Parece que estamos entorpecidos, distanciados do que a vida exige de todos neste momento. Mas sempre muito preocupados, reconhecidamente insatisfeitos.
Mas há e haverá um preço a pagar por tudo isso. No caso do Brasil, por exemplo, como vamos fazer para avançar no contexto global? Nosso projeto educacional se adiantou, para corresponder às exigências, aos grandes avanços e demandas de formação para os tempos que vivemos e os que estão por vir? Muitas questões derivam destas.
A inclusão é uma ideia que tem a ver com uma dimensão de homem, de sociedade, de mundo, que está além de como a vida neste planeta está acostumada a se manifestar. Mas nem por isso é impossível! Temos de continuar nessa luta. Se as autoridades educacionais continuarem insistindo em demolir o que com tanto esforço construímos para que nossas escolas sejam de todos os alunos, temos de dizer “não pode!”. E quem tem força para impedir mais esse desmonte de nossa educação? Todos os que têm o que mostrar, tem produção e vantagens trazidas por essa proposta tão poderosa e revolucionária. Pais, professores, pessoas que percebem o alcance de uma política educacional inclusiva podem se juntar a nós e nos apoiar nessa difícil empreitada: mudar o mundo, uma parte importante dele, para todos os que estão chegando e os que já estão nas escolas.