Saeb de 2019 ainda mantém matriz pré-BNCC

Futura mudança da matriz de referência do Saeb deve afetar comparabilidade histórica

Foto: Shutterstock

A possível perda da comparabilidade dos resultados das provas do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) é um dos temas que mobilizam os pesquisadores brasileiros da área de avaliação, tendo sido objeto de discussões na 10ª reunião da Abave, associação dos profissionais voltados à questão.

Essa perda deverá ocorrer quando da atualização da matriz de referência do Saeb, que se dará em função da implementação da nova Base Nacional Comum Curricular.

A matriz de referência relaciona as competências e habilidades requeridas dos estudantes e serve de base para a elaboração das questões das provas. Ao se mexer no conjunto de habilidades e competências requeridas, elas deixam de ser comparáveis ao longo do tempo. Ou ao menos aquelas que sofrerem modificações conceituais expressivas.

Esse processo ainda não ocorrerá no Saeb de 2019, cujas provas vão acontecer entre 21 de outubro e 1º de novembro. Por determinação do Inep para que por ora se mantenha a comparabilidade das provas, os exames de língua portuguesa e matemática para 5º ano e 9º ano do ensino fundamental e para o ensino médio serão feitos com base na matriz de referência pré-BNCC. Ainda não há previsão de quando será feita a mudança.

Já no caso da avaliação da alfabetização, haverá adequação à BNCC no ano de aplicação da prova, passando do final do 3º para o final do 2º ano do fundamental. Outra novidade é a introdução de questionários para os professores de creches e pré-escolas públicas ou conveniadas. 

“Tecnicamente possível”

Para o ex-presidente do Inep e atual presidente da Abave, Joaquim Soares Neto, da Universidade de Brasília, a utilização da Teoria de Resposta ao Item (TRI), instrumento adotado pelo Saeb desde 1995, permite que haja uma transição, mantendo-se a comparabilidade. “É possível fazer sem que haja perda da comparabilidade histórica, desde que se adotem critérios metodológicos adequados”, diz.

Essa comparabilidade, no entanto, tende a ser apenas numérica, pois, na medida em que a matriz for modificada, haverá questões de fundo que poderão ter o mesmo peso, mas não serão as mesmas, ou seja, não estarão medindo os mesmos aspectos.

Neto diz que tem de haver uma nova matriz, pois houve uma mudança de filosofia com a adoção da nova BNCC.

Nova série histórica
Já Adriano Borgatto, professor do departamento de Informática e Estatística da Universidade Federal de Santa Catarina, acredita que pode haver um período de uso misto das duas matrizes, preservando-se uma parte para a comparação, ou, caso as mudanças sejam substanciais, pode ser inaugurada uma nova série histórica, com uma nova matriz.

Segundo o pesquisador, quando as provas estaduais e municipais utilizam a matriz do Saeb elas de certa maneira já promovem um deslocamento em relação ao documento original. “Essas avaliações colocam especificidades de estados e municípios na prova. A suspeita é que essas particularidades já estejam mexendo um pouco na prova, pois em geral há alguma diferença na escala”, exemplifica.

Ou seja, a comparabilidade pode não ser um valor absoluto. Para Borgatto, um fator mais importante do que esse é como está sendo feita a devolutiva do resultado das avaliações para as escolas, se isto tem sido feito de forma que coordenadores e professores estejam tendo bom entendimento dos resultados educacionais.

Outros temas importantes

Para Joaquim Neto, a reunião da Abave mostrou a solidez da avaliação educacional no Brasil. “Houve discussões sobre todos os níveis educacionais, da educação infantil à pós-graduação, com participação de 12 convidados internacionais”, ressaltou.

Para ele, do ponto de vista técnico, a interlocução com o MEC e o Inep continua sendo boa.

“Mas as coisas não dependem só de fatores técnicos, há questões relativas aos planos do governo e da política”, diz Neto. Do ponto de vista técnico, discussões que mobilizaram os cerca de 450 participantes foram sobre a incorporação de tecnologia para realização das avaliações e a oferta de novos instrumentos para medir competências complexas, como, por exemplo, as que envolvem habilidades cognitivas e não cognitivas.

A adoção do Pisa for School também é vista como uma tendência para redes e escolas que queiram balizar-se por padrões internacionais. Como se sabe, o Pisa é a avaliação internacional para estudantes na faixa dos 15 anos. A opção permite a escolas e redes fazerem o teste em separado para comparar seus resultados com os outros participantes da OCDE.

No quesito “tema para debates candentes” está a avaliação da educação infantil. No centro do debate destaca-se a questão de avaliar ou não o desempenho cognitivo das crianças. Ainda que o uso de instrumento similar seja justificado com o argumento de que não haverá individualização de resultados, e sim como diagnóstico de possíveis desenvolvimentos da etapa, há temor de que os resultados sejam utilizados para excessiva escolarização da etapa.

No anúncio que faz da introdução dos questionários de avaliação para professores de creches e pré-escolas a partir do Saeb deste ano, o Inep ressalta que as crianças não serão avaliadas, apenas o processo de ensino e aprendizagem. Trem das Letras voltará ao tema brevemente.

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Curtas

  •   Teve início em 29/06  a websérie “Caminhos do Devir – Volta às aulas pós-Covid-19”, com o debate sobre “Como aplicar a gestão de crises para planejar a volta às aulas de forma segura”. Os educadores e sócio-fundadores da Devir Projetos Educacionais, Luis Laurelli e Eloisa Ponzio, além do consultor Flávio Schmidt, consultor em gestão de crises do Grupo Trama Comunicação, analisaram as estratégias, cuidados e precauções para garantir uma volta às aulas que possa assegurar a saúde de professores e crianças e a tranquilidade das famílias. A conversa teve a mediação do editor do Trem das Letras, Rubem Barros. O encontro marcou também o lançamento do e-book “A Covid-19 nas escolas e o caminho para a retomada do presencial”, disponível para download, que pontua sobre os passos da retomada.  Texto publicado em 25/06/2020

  • O ano de 2020 marca o final do mandato de 12 dos 24 conselheiros do CNE, o Conselho Nacional de Educação. A primeira lista com sugestões de substitutos, deixada pelo ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, provavelmente na correria a caminho do aeroporto, era composta principalmente por olavistas. Gerou resistência até dentro do próprio governo Bolsonaro. Diante do freio, puxado pelos militares, o ministro interino, Antonio Paulo Vogel de Medeiros, está fazendo uma nova rodada de discussão para a escolha de outros nomes.  A Casa Civil será um dos principais interlocutores para definir a lista final. Se o padrão das escolhas continuar o mesmo de outras áreas, é provável que as escolas cívico-militares ganhem fôlego inaudito. Texto publicado em 25/06/2020

  • Além do Fundeb, é preciso ficar de olho na possível votação da Medida Provisória 934, que estabelece normas de excepcionalidade para a educação básica e superior em 2020. O relatório da deputada Luísa Canziani (PTB/PR) manteve entre as emendas que devem ir a plenário a liberação da obrigatoriedade do cumprimento das 800 horas para a educação infantil e de oferta da educação a distância na mesma etapa. A relatora deixa a decisão nas mãos dos gestores municipais. Além de contrariar todas as evidências científicas e pedagógicas que enfatizam os prejuízos da educação a distância para as crianças de até 5 anos, a medida pode significar a abertura da porteira para os grupos privados que atuam no negócio da educação a distância. Com as redes de ensino sufocadas pela falta de dinheiro, com aumento das despesas por causa da pandemia e queda na arrecadação de impostos de até 24%, impactando diretamente no Fundeb, principal fonte de recursos para a educação básica pública, a EAD pode ser vista por muitos como solução milagrosa. Mas será apenas um instrumento para cumprir a obrigação legal de oferta de ensino. E inadequado, no caso da educação infantil. É preciso ver o que falará mais alto, se o rigor burocrático ou o bom senso. Texto publicado em 25/06/2020

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