Seis visões de seis professores

Os diferentes olhares e percepções de docentes brasileiros sobre o exercício cotidiano de sua profissão

Texto republicado em 25/08/2020. Texto original publicado em outubro de 2015, na revista Educação (www.revistaeducacao.com.br)
Foto: Burst/Iso Republic

Obs: todas as referências temporais se referem à data da publicação original, em 2015.

“Consegui ajudá-los, sim”
Ana Carolina Amado, professora de ciências
Apesar de ter cursado o magistério em nível médio, Ana Carolina Amado não pensava em dar aulas profissionalmente. Enquanto fazia a faculdade de química, estagiou por dois anos, achava que gostaria de trabalhar em laboratório. A experiência não confirmou a expectativa. Resolveu dar aulas.
Há 11 anos como professora, licenciou-se em química e ciências biológicas, os dois cursos feitos na Fundação Santo André (SP). Também foi atrás de uma pós-graduação lato sensu em psicopedagogia, feita na Universidade Luterana do Brasil (Ulbra).
Depois de passar pela rede estadual paulista como professora eventual e temporária, prestou concurso, passou, mas não quis assumir, pois foi designada para uma escola em Diadema (SP) “não muito legal”.
Hoje, aos 34 anos, casada e com dois filhos, leciona ciências no fundamental 2 em um colégio particular, o Alicerce, em Santo Amaro, zona sul de São Paulo.
Para ela, o professor é importante para indicar ao aluno como encontrar os conteúdos mais pertinentes, para ensiná-lo a traçar planos e trilhar caminhos, a ver os dois lados de uma história, a não ficar preso ao senso comum. Preocupa-se com a formação de bons cidadãos, que saibam distinguir o certo e o errado.
“Tenho alunos que estudaram comigo no 6º ano e estão terminando a faculdade. Então, consegui ajudá-los, sim. Às vezes é difícil, pelos valores da família, pelo que veem na televisão. Algumas famílias valorizam muito a escola, outras acham que, porque estão pagando , professores e coordenadores têm de lidar com todo tipo de problema dos alunos”, diz Ana.

Teatro para ampliar horizontes
Edmar Galiza, professor de teatro

“Mais do que simplesmente trabalhar com conteúdos, o professor hoje deve educar de forma mais integral, servindo como apoio social, psicológico e cultural. Não somos só reprodutores de conteúdo. Estamos em um mundo cheio de informação, mas confundimos informação com conhecimento. Os alunos precisam ter mais base para selecionar as informações, com senso crítico, sabendo fazer uma leitura não só de texto, mas social”, diz Edmar Galiza, professor de teatro.
Galiza é mais um caso de docente que deixou a escola pública rumo ao ensino privado. Durante 12 anos, lecionou em uma escola municipal de Ivoti (RS). Agora, leciona apenas no Instituto Ivoti, privado. Fez magistério, é professor há 15 anos, licenciado há dez em teatro na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestre em educação pela Unisinos. Pretende fazer doutorado em breve.
Para o professor, que leciona no fundamental 1 e 2, no ensino médio e em cursos de pedagogia, o teatro, como as artes em geral, permite ampliar o universo social e cultural dos alunos e que eles se conheçam e ao mundo, com olhares múltiplos. E exemplifica:
“Com o ensino médio, estou trabalhando Lisístrata, de Aristófanes, que possibilita tratar de questões ligadas à sexualidade e à questão de gênero, temas atuais”, diz sobre a comédia grega em que as mulheres fazem greve de sexo para que seus homens deixem de guerrear.
Mas o professor mostra um grande descontentamento com os conhecimentos que os alunos trazem de sua formação anterior, o que dificulta o entendimento dos textos. “Às vezes pegamos alunos do ensino médio que fazem uma leitura quase pré-silábica”, relata.

É preciso exercer cidadania
Maria Izabel Yaginuma, professora do fundamental 1
Maria Izabel Yaginuma é um desses casos de pessoas que esperam muito tempo até trabalhar com aquilo de que realmente gostam. No seu caso, depois de fazer magistério no ensino médio, parou de estudar e foi ser mãe, aos 18 anos. Trabalhou em banco, hospital, no comércio com o marido. Aos 35, com os filhos mais crescidos, foi fazer pedagogia na Faculdade Anchieta. Embalou e fez duas pós-graduações lato sensu em universidades privadas e uma especialização na Faculdade de Educação da USP, “uma das coisas maravilhosas que a Prefeitura de São Bernardo me proporcionou”.
Trabalhou por muito tempo nas redes pública e privada de São Bernardo do Campo, mas deixou a segunda por questões de saúde, por excesso de trabalho. Preferiu a pública, apesar dos entraves burocráticos que aponta para o exercício da profissão. “Parece que fazem tudo para nos tirar da sala de aula, questões da vida funcional que poderíamos resolver na internet”, diz.
Depois de participar ativamente da greve que paralisou a rede do município em junho deste ano, diz que “caiu a ficha” de que não pode ensinar cidadania caso não exerça sua própria cidadania. Acredita que a escola pública proporciona mais liberdade ao professor, ao contrário das particulares, que exigem que se siga a cartilha delas. Mas que, na pública, quando há alguém que não quer trabalhar, é a criança que sai perdendo.
No contexto da escola de periferia em que atua, acha que o professor faz um trabalho de formiguinha. “Plantamos uma semente. Temos um poder muito grande em mãos, mas temos de saber usar. A figura do professor, em especial no fundamental 1, cria um vínculo muito forte. Eles nos imitam, falam igual a nós. Por isso, acho a função de extrema importância, servimos de modelo, e temos de ser bons modelos.”
Como outros professores, Maria Izabel também pode estar preparando um voo para o ensino superior. “Para melhorar a educação, temos de trabalhar nas pontas, na educação infantil e na formação de professores. Gostaria de dar aula em faculdade, mas ainda não me sinto preparada.”

Percepção aguçada
Luiz Paulo Neves Nunes, professor de geografia
Professor de geografia para diversos níveis de ensino (fundamental 2, EJA 2, ensinos médio e técnico), Luiz Paulo Neves Nunes é um desses casos de professores natos. Neto de um professor de educação física, filho de uma diretora de escola, chegou a pensar em fazer comunicações ou direito, mas a docência falou mais alto.
Também apaixonado por navegação – morador do Guarujá (SP), o pai tinha barco quando Nunes era pequeno – formou-se em geografia na Unesp (licenciatura e bacharelado) e fez diversos cursos de extensão e especialização. Leciona desde 1999, hoje na rede municipal do Guarujá e na Etec Santos Dumont, na mesma cidade.
Mesmo fazendo atualmente um mestrado via EAD na Universidade Nova de Lisboa, sabe da importância da proximidade e do diálogo com os alunos. “O professor não é um autômato; tem uma função de percepção e diagnóstico. Uma videoaula pode ser replicada milhares de vezes. O professor olha no olho do aluno, sabe se ele está entendendo ou não, pois convive com ele. É uma relação humana, afetiva. Você percebe quando o aluno está distraído ou chateado. O professor consegue trazer a atenção usando as várias escalas, do bairro ou do mundo, consegue mediar a situação e adaptá-la ao que o aluno está vivendo. O remédio pro Chiquinho não é o mesmo remédio pro Paulinho. O aluno te dá a forma de como trabalhar com ele”, resume.
E Nunes também tenta aconselhá-los a escolherem o que os realize, independentemente da remuneração, para que possam se dedicar ao máximo. “O objetivo principal da escola é formar cidadãos felizes com sua condição como pessoa. Humano é florir no jardim, não num monte de lixo”, filosofa.

Trabalhar atitudes
Paula Belmino, professora do fundamental 1
“Eu quero ser professora como a tia”, disse uma aluna de 8 anos à docente potiguar Paula Belmino, professora da rede municipal de Lagoa Nova (RN), hoje com 40 anos. Ela mesma não era muito entusiasta da pedagogia, queria fazer letras, mas acabou por se apaixonar pela profissão.
Formou-se em 2004 na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, veio para São Paulo, lecionou para o 1º e 2º anos do fundamental na rede municipal paulistana, mas preferiu voltar a seu estado de origem. Há três meses, passou em um concurso para a atual escola, que tem 250 crianças.
Sempre enfatizando os trabalhos com leitura e escrita, usando poesia, música, literatura, Paula crê estar mudando a realidade a seu redor. “Busco ajudar a criança a construir o conhecimento. Eles já sabem de algumas coisas, não chegam em branco. O professor vai incentivar a curiosidade e a leitura, trabalhar inteligências múltiplas, para potencializar o conhecimento e caminhar na trilha da paz. Com afetividade, que é uma das coisas mais importantes para o trabalho. É preciso ser um espelho para a criança ser alguma coisa. Não adianta trabalhar conceitos, tem de trabalhar atitudes”, acredita Paula.

Por um olhar mais crítico e solidário
Tarso Loureiro, professor de geografia
Durante uma visita ao Instituto de Estudos Avançados, em Princeton, Estados Unidos, realizada, em 2001, o então presidente Fernando Henrique Cardoso proferiu uma frase que se tornou célebre. Referindo-se ao campo de pesquisa científica, disse que “se a pessoa não consegue produzir, coitado, vai ser professor”. Com o tempo, os relatos sobre a fala começaram a citar uma frase famosa atribuída ao dramaturgo irlandês Bernard Shaw – “Aquele que pode, faz. Aquele que não pode, ensina”, depois simplificada para “quem pode, faz. Quem não pode, ensina”.
Tarso Loureiro era então bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET), depois de se formar em ciências sociais na Universidade de São Paulo, em 1999. “Me identifiquei totalmente, pois queria virar pesquisador, mas perdi o encanto com a academia”, relembra. Depois de três anos e meio como bolsista, começou a dar aulas em um colégio particular e gostou do trabalho.
Reconhecido entre alunos e pares como um apaixonado pelo que faz – às vezes visto, em especial pelos alunos, como excessivamente dedicado – Loureiro recorre ao livro A insustentável leveza do ser (Companhia das Letras), de Milan Kundera, para explicar sua paixão. Na obra, o jornalista Franz é um dos quatro personagens centrais e ocupa o lugar do idealista, aquele em busca de algo que, mesmo que lhe custe a vida, possa fazer a diferença.
“Isso é o que mais me fascina, ajudar a construir um mundo melhor, formar pessoas capazes de olhar o mundo de maneira mais crítica e de atuar sobre ele de forma a construir algo mais solidário, menos injusto, mais tolerante”, resume o professor.
Com dois casamentos e quatro filhos, hoje lecionando geografia para o ensino médio e para o fundamental 2 no Colégio Oswald de Andrade, na zona oeste de São Paulo, Loureiro diz que gosta de se identificar como educador, não como professor. “Quando se pensa no professor, vem à mente a figura de alguém que está ali para instruir determinados conteúdos curriculares, o que também faço. Mas o que me anima é essa formação de caráter mais humano.”
Nesse sentido, a proximidade com os alunos é o que permite avaliá-los em seu conjunto, ao contrário das avaliações externas, cada vez mais em voga. É o professor, diz Loureiro, que vê o aluno no dia a dia, sabe do que ele gosta, dos problemas familiares, das dificuldades pessoais a serem superadas. “Se o professor consegue ter essa dimensão, será muito mais capaz de fazer essa avaliação, mesmo que o documento se pareça com outro tipo de avaliação. Para ele, professor, essa prova conta uma história de sucessos e fracassos daquele aluno”. Sobre a qual ele poderá intervir a seguir.

Leia também:
Professores para quê?
O significado profundo da ação do mestre

 

Cadastre-se para receber novidades por e-mail

Mantemos os seus dados privados e os compartilhamos apenas com terceiros que tornam este serviço possível.

Curtas

  •   Teve início em 29/06  a websérie “Caminhos do Devir – Volta às aulas pós-Covid-19”, com o debate sobre “Como aplicar a gestão de crises para planejar a volta às aulas de forma segura”. Os educadores e sócio-fundadores da Devir Projetos Educacionais, Luis Laurelli e Eloisa Ponzio, além do consultor Flávio Schmidt, consultor em gestão de crises do Grupo Trama Comunicação, analisaram as estratégias, cuidados e precauções para garantir uma volta às aulas que possa assegurar a saúde de professores e crianças e a tranquilidade das famílias. A conversa teve a mediação do editor do Trem das Letras, Rubem Barros. O encontro marcou também o lançamento do e-book “A Covid-19 nas escolas e o caminho para a retomada do presencial”, disponível para download, que pontua sobre os passos da retomada.  Texto publicado em 25/06/2020

  • O ano de 2020 marca o final do mandato de 12 dos 24 conselheiros do CNE, o Conselho Nacional de Educação. A primeira lista com sugestões de substitutos, deixada pelo ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, provavelmente na correria a caminho do aeroporto, era composta principalmente por olavistas. Gerou resistência até dentro do próprio governo Bolsonaro. Diante do freio, puxado pelos militares, o ministro interino, Antonio Paulo Vogel de Medeiros, está fazendo uma nova rodada de discussão para a escolha de outros nomes.  A Casa Civil será um dos principais interlocutores para definir a lista final. Se o padrão das escolhas continuar o mesmo de outras áreas, é provável que as escolas cívico-militares ganhem fôlego inaudito. Texto publicado em 25/06/2020

  • Além do Fundeb, é preciso ficar de olho na possível votação da Medida Provisória 934, que estabelece normas de excepcionalidade para a educação básica e superior em 2020. O relatório da deputada Luísa Canziani (PTB/PR) manteve entre as emendas que devem ir a plenário a liberação da obrigatoriedade do cumprimento das 800 horas para a educação infantil e de oferta da educação a distância na mesma etapa. A relatora deixa a decisão nas mãos dos gestores municipais. Além de contrariar todas as evidências científicas e pedagógicas que enfatizam os prejuízos da educação a distância para as crianças de até 5 anos, a medida pode significar a abertura da porteira para os grupos privados que atuam no negócio da educação a distância. Com as redes de ensino sufocadas pela falta de dinheiro, com aumento das despesas por causa da pandemia e queda na arrecadação de impostos de até 24%, impactando diretamente no Fundeb, principal fonte de recursos para a educação básica pública, a EAD pode ser vista por muitos como solução milagrosa. Mas será apenas um instrumento para cumprir a obrigação legal de oferta de ensino. E inadequado, no caso da educação infantil. É preciso ver o que falará mais alto, se o rigor burocrático ou o bom senso. Texto publicado em 25/06/2020

Redes Socias