Fotos: Avenue B Production/Mpoussin
Ocupar um lugar deixado por alguém, cumprir uma função ou desempenhar um papel para o qual já houve um modo consagrado de fazê-lo, determinado pelo antigo ocupante e assimilado por aqueles que com ele conviviam, não é uma tarefa fácil. Exemplos clássicos desse mal-estar são o das mulheres que se tornam madrastas (neste caso, começando pelo qualificativo) e o dos professores que substituem outros docentes em instituições marcadas pelo formalismo.
Agora imagine só, nesse segundo caso, se a substituição for de um professor que, enquanto seus alunos faziam uma prova, se atirou pela janela da classe, quebrando o silêncio de até então. Essa é a cena inicial de O professor substituto (L´heure de la sortie, França, 2018), direção de Sébastien Marnier, também um dos responsáveis pela adaptação do romance de mesmo nome de Christophe Dufossé.
É o que enfrenta o personagem de Pierre Hoffman (Laurent Lafitte) quando vem dar aulas no Colégio Saint Joseph, uma escola francesa tradicional e de grande prestígio acadêmico. Seu antecessor está em coma, não há perspectiva de voltar e ele assume então os alunos – apenas 12 – do terceiro ano do ensino médio, uma classe composta apenas por estudantes superdotados, de alto desempenho escolar. Exatamente a turma que presenciou o episódio que ainda perturba a todos.
É da difícil relação entre Pierre e seus alunos que trata o filme de Marnier à primeira vista. Mas ele parece ser também a alegoria das relações atuais entre adolescentes e mundo adulto em meio a um universo que parece ameaçador para os jovens e incongruente ou pouco passível de mudanças para os mais velhos.
A própria classe com que Pierre tem de lidar é, por si só, um símbolo das relações entre os jovens que têm acesso a uma educação muito seletiva, que os isola de outros adolescentes, criando uma sensação de superioridade e refinamento intelectual que põe em dúvida a possibilidade de outros os entenderem, a começar pelo substituto, cuja capacidade de lidar com eles é posta em xeque.
Pierre percebe isso logo ao propor as primeiras atividades, todas elas já superadas há tempos pelos alunos. Quando responde ao questionamento de um aluno sobre o porquê de um professor de 40 anos ainda ser substituto, ele menciona que está fazendo o doutorado, um estudo sobre Franz Kafka, e a tese toma tempo, por isso a opção de ser substituto. Acostumado com estudantes de nível cultural mais baixo, surpreende-se ao saber que ali praticamente todos conhecem o escritor tcheco.
A menção a Kafka e seu universo não é gratuita. Evoca, como imagens que perturbam Pierre a partir de então, a sensação de estar vivendo uma relação absurda e enigmática com jovens que não o respeitam, cultivam estranhas relações entre si e têm o beneplácito da direção e de outros professores. Tiranetes com os quais os adultos não podem ou não conseguem lidar. São o fruto da seleção por meio dos resultados cognitivos, símbolo de uma época em que a escola já não é mais vista como um lugar capaz de fazer com que, ao menos em seu espaço, sejam todos iguais. Não como indivíduos, que têm gostos e desejos particulares, mas como sujeitos de mesmo direito à futura cidadania.
A angústia de Pierre é um pouco a angústia contemporânea, seja da escola ou da sociedade. Os elos intergeracionais se perderam. As soluções anteriores, baseadas em hierarquias e submissão voluntária (ou não), não funcionam mais. Os jovens desfrutam de um poder para o qual não estão preparados. A crise da escola torna-se assim uma crise do mundo contemporâneo, num cenário em que o adulto que tenta fazer a ponte entre o que crê ser necessário para educar e seus pares encontra apenas educadores resignados ou indiferentes à situação.
Enquanto Pierre, como um voyeur, passa a buscar sentido numa miríade de imagens – de vídeos gravados pelos alunos, da observação das atividades deles fora da escola, de suas alucinações e signos que aparecem à sua frente, como apocalípticos animais em fuga – os meninos orquestram um grand finale para sua sinfonia. Ele se assemelha bastante ao mundo atual. Para a estupefação inerte de Pierre.
Ficha técnica
O professor substituto (L´heure de la sortie), França, 2018, 104 minutos.
Direção: Sébastien Marnier. Com Laurent Lafitte, Emmanuelle Bercot, Victor Bonnel, Adèle Castillon, Leopold Buchsbaum e Luana Bajrami
Lançamento em circuito no Brasil: 25 de julho.