“É uma espinha dorsal que agregou outras visões”, diz relator das diretrizes da formação

Mozart Ramos, conselheiro responsável pela nova redação das DCNs para a formação docente, reconhece que documento ainda precisa de ajuste. E não refuta contribuições

Imagem: Freepik

Publicado em 07/10/2019

Às vésperas da audiência pública que acontecerá na sede do Conselho Nacional de Educação nesta terça-feira (8/10), Mozart Neves Ramos, relator do parecer sobre as “Diretrizes Curriculares Nacionais e Base Nacional Comum para a Formação Inicial e Continuada de Professores da Educação Básica”, documento que revisa o original publicado pelo CNE em julho de 2015 (Resolução 2), recebeu com tranquilidade os comentários de especialistas ouvidas por Trem das Letras.

Membro da Câmara de Educação Básica do CNE e com alta rodagem como gestor público, Mozart concorda que falta ainda ao documento maior organicidade, além de algumas definições. Mas diz que o parecer para consulta pública é uma “espinha dorsal” muito derivada da sua experiência e que já recebeu contribuições de outros membros, o que desfigurou um pouco sua unidade em prol da diversidade.

Há pontos, efetivamente, que irão requerer uma interação mais aprofundada e algum tipo de compromisso do Ministério da Educação e do Inep, órgãos responsáveis pela regulação e pela avaliação. O ponto mais delicado é a indefinição sobre os limites da Educação a Distância (EAD), especialmente quando confrontados às diversas menções à prática na formação dos novos licenciandos.

Trem das Letras publicou na última sexta-feira (4/10) uma breve entrevista com a coordenadora do curso do Instituto Singularidades, Cristina Nogueira, e com a pesquisadora e ex-diretora do Inep, Gabriela Moriconi, da Fundação Carlos Chagas, ponto de partida para esta conversa com Mozart Ramos. Ao longo da semana, análises de outros pesquisadores serão veiculadas.

O documento parece ainda não ter um caráter definitivo, tem algo de inacabado. É isso mesmo?

Quando você começa um documento, tem uma espinha dorsal com base no seu olhar, na sua experiência de vida e profissional. Esse é um tema que tem me ocupado muito ao longo dos anos. Então, não parti do nada, parti dessa visão na qual acredito, e de dois documentos que foram basilares para esse trabalho: a própria Resolução 2/2015 e o documento enviado pelo Ministério da Educação em dezembro de 2018, para que o Conselho Nacional de Educação analisasse e fizesse uma proposta para a formação de professores.

No início, então, o eixo comum passa muito pelas suas crenças, a partir dos princípios que estão sendo referência do seu trabalho. Isso é apenas um ponto de partida, não de chegada. Há dois caminhos possíveis: se você ouvir pouco as pessoas, consegue essa espinha dorsal melhor, mas não agrega as diferentes visões, a riqueza que pode vir de outros educadores e instituições de reconhecido valor no campo da formação de professores.

Essa espinha dorsal, depois que você abre para ouvir outras pessoas, perde aquele DNA e torna a visão inicial mais dispersa, pois ouviu mais gente, sempre procurando olhar para as competências gerais da BNCC para a educação integral, um ponto central, e como formar professores para esse novo currículo. Agora, começa uma terceira etapa, que é novamente afunilar, mas com a riqueza e as visões de diferentes instituições e pessoas. E a visão que as educadoras trouxeram foi muito boa, construtiva. Ainda estamos no tempo de receber essas contribuições, até 23 de outubro.

Um dos perigos que existe nessa agregação é incorporar coisas que não se acomodem entre si. Uma questão apontada está no lugar que a EAD ocupará, pois o documento fala muito em diversos tipos de práticas, mas sem dizer como isso se encaixa com a educação a distância. Como acomodar isso?

Há certa confusão entre diretrizes com a política e a regulação ou a autorregulação desse processo, que não é do CNE, é do Ministério da Educação. Eu sou uma pessoa do executivo, e não da normatização e da regulação, então sofro ao fazer esse tipo de análise e parecer, pois quero entrar em algo que não posso. Meu papel é de colocar diretrizes. O que vamos tentar controlar é a qualidade pela avaliação. Há hoje uma preocupação com o curso em EAD, mas tem uma parte prática que não pode ser a distância, que é a parte da residência pedagógica, estamos colocando as 800 horas de prática.

A tendência é caminharmos para fazer o trabalho de regulação e da qualidade junto ao Inep. Ao colocarmos a importância da prática, não há como ter curso 100% em EAD. O nosso papel é apontar para onde as coisas devem caminhar. Se tem residência pedagógica, práticas clínicas, práticas profissionais, competências que devem ser desenvolvidas, não é a resolução que vai controlar tudo. Ela precisa dizer qual deve ser a formação do professor. Mas não podemos ultrapassar nosso papel institucional. [As instituições] têm um Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), tem um Programa de Curso aprovado pelo MEC e têm as questões da avaliação.

O estabelecimento de um limite máximo de carga via EAD seria então uma competência do MEC?

Acabamos de ter uma reunião da comissão bicameral e ficou muito claro, e o Janio [Endo, secretário de Educação Básica] esteve presente, que esse tema é de abordagem do MEC. O que tenho de dizer é quais são as competências para a formação do professor para dar conta das competências gerais postas na BNCC. Como a instituição vai fazer isso, não posso dizer, não tem uma receita única.

Houve alguma sinalização de mudança na avaliação especificamente para a formação?

Não chegamos a isso. Apenas levantamos a necessidade de que, a partir do momento em que temos uma BNCC, que é uma maneira de desenvolver competências nos alunos, temos de ter a BNCC do professor, para que desenvolva as competências para que ele possa ensinar. Meu papel é dizer que competências são essas, que habilidades são essas. Isso é o coração dessa relatoria. Às vezes, há discussões sobre se devem ser 400 horas ou 600 horas disso ou daquilo. Temos de sinalizar que a parte prática é essencial, que há três dimensões fundamentais (o professor tem o direito ao conhecimento profissional; à prática; tem de ser engajado). Para isso ocorrer, o que ele tem de desenvolver? Procuro responder quais são as competências e, a partir delas, quais as subcompetências específicas que vou analisar, acompanhar e monitorar para ver se o professor está se desenvolvendo. Como isso será feito é algo deve estar no Plano de Desenvolvimento da Instituição.

Então essa questão do percentual em EAD fica também para a proposta da instituição?

Mas esse ponto do EAD, ainda não está fechado, não. É um ponto ainda a ser discutido. Mas preciso saber qual é o meu limite nessa questão, não está claro para nós dentro do próprio CNE. Não é um ponto fechado, é um ponto que ainda devemos debater amanhã (8/10) e em outros momentos.

Quando se fala em prática, muita gente olha para as comunidades educativas de outros países, envolvendo a gestão de rede, universidades, grupos de escolas, ou seja, algo mais sistêmico. Uma das pesquisadoras fala em acordos institucionais para os estágios, e não calcado em relações pessoais. Como fazer para que o estágio e a troca sejam efetivos. O que poderia ser feito para ao menos induzir a formação dessas comunidades?

Esse é um ponto que merece atenção, pois temos de avançar mais. Quando colocamos a questão da residência pedagógica, que seja entre instituições que sejam conveniadas, precisamos colocar aí o monitoramento da qualidade. Sinalizar para que haja, por parte do Executivo, um controle. Acho que isso ainda está um pouco frouxo, sim. E precisamos avançar para assegurar que os estágios não sejam um faz de conta como hoje. Estou colocando e vou reforçar esse ponto para que a residência pedagógica seja em escolas certificadas. Que comece desde o primeiro ano e vá crescendo em complexidade. Para que uma escola possa oferecer residência médica, por exemplo, precisa ter alguns critérios de qualidade, como estrutura, pessoal qualificado. No caso da formação do professor, para receber um licenciando em química, tem de ser um professor de química, não pode ser um docente de geografia que está dando aula de química. Estou ciente de que preciso colocar mais ênfase nisso.

Qual sua avaliação da residência pedagógica feita no governo Temer, na gestão de Mendonça Filho (DEM-PE), no MEC?

Foi um avanço em relação ao PIBID, mas ainda não resolve o problema como deve ser resolvido.

A pesquisadora Gabriela Moriconi menciona que ficaria mais satisfeita se o documento trouxesse um perfil do egresso mais detalhado, apesar de elogiar o fato de o documento trazer o assunto à baila. Na sua opinião, isso seria desejável?

Peço até uma ajuda a ela, pois ela quase que diz o seguinte: “tá legal, mas pode ser melhor”. O que eu gostaria muito é de receber sugestões concretas de como podemos avançar mais nessa questão, entre a saída do egresso e as competências profissionais. Procuramos dizer o que um egresso tem de fazer e que competências têm de ser desenvolvidas para que possa fazê-lo. Talvez precise de uma relação mais orgânica entre esses dois eixos.

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Curtas

  •   Teve início em 29/06  a websérie “Caminhos do Devir – Volta às aulas pós-Covid-19”, com o debate sobre “Como aplicar a gestão de crises para planejar a volta às aulas de forma segura”. Os educadores e sócio-fundadores da Devir Projetos Educacionais, Luis Laurelli e Eloisa Ponzio, além do consultor Flávio Schmidt, consultor em gestão de crises do Grupo Trama Comunicação, analisaram as estratégias, cuidados e precauções para garantir uma volta às aulas que possa assegurar a saúde de professores e crianças e a tranquilidade das famílias. A conversa teve a mediação do editor do Trem das Letras, Rubem Barros. O encontro marcou também o lançamento do e-book “A Covid-19 nas escolas e o caminho para a retomada do presencial”, disponível para download, que pontua sobre os passos da retomada.  Texto publicado em 25/06/2020

  • O ano de 2020 marca o final do mandato de 12 dos 24 conselheiros do CNE, o Conselho Nacional de Educação. A primeira lista com sugestões de substitutos, deixada pelo ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, provavelmente na correria a caminho do aeroporto, era composta principalmente por olavistas. Gerou resistência até dentro do próprio governo Bolsonaro. Diante do freio, puxado pelos militares, o ministro interino, Antonio Paulo Vogel de Medeiros, está fazendo uma nova rodada de discussão para a escolha de outros nomes.  A Casa Civil será um dos principais interlocutores para definir a lista final. Se o padrão das escolhas continuar o mesmo de outras áreas, é provável que as escolas cívico-militares ganhem fôlego inaudito. Texto publicado em 25/06/2020

  • Além do Fundeb, é preciso ficar de olho na possível votação da Medida Provisória 934, que estabelece normas de excepcionalidade para a educação básica e superior em 2020. O relatório da deputada Luísa Canziani (PTB/PR) manteve entre as emendas que devem ir a plenário a liberação da obrigatoriedade do cumprimento das 800 horas para a educação infantil e de oferta da educação a distância na mesma etapa. A relatora deixa a decisão nas mãos dos gestores municipais. Além de contrariar todas as evidências científicas e pedagógicas que enfatizam os prejuízos da educação a distância para as crianças de até 5 anos, a medida pode significar a abertura da porteira para os grupos privados que atuam no negócio da educação a distância. Com as redes de ensino sufocadas pela falta de dinheiro, com aumento das despesas por causa da pandemia e queda na arrecadação de impostos de até 24%, impactando diretamente no Fundeb, principal fonte de recursos para a educação básica pública, a EAD pode ser vista por muitos como solução milagrosa. Mas será apenas um instrumento para cumprir a obrigação legal de oferta de ensino. E inadequado, no caso da educação infantil. É preciso ver o que falará mais alto, se o rigor burocrático ou o bom senso. Texto publicado em 25/06/2020

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