Marta Avancini
A radiofonia brasileira dos anos 1940 e 1950 é tema de diversos estudos e pesquisas. Uma leitura recorrente, quando o foco recai sobre a comunicação de massa desse período, marcado pela consolidação da radiofonia comercial, é a de que o rádio estava a serviço de um projeto de controle e dominação das massas, numa abordagem alinhada com as teorias da Escola de Frankfurt sobre a indústria cultural.
Nessa leitura, os bens culturais são produzidos em consonância com o sistema político e econômico com a finalidade de exercer o controle social, homogeneizando e integrando os consumidores, como preconiza a socióloga Miriam Goldfeder no livro Por trás das ondas da Rádio Nacional que, embora date dos anos 1980, permanece como uma das referências centrais para a compreensão da era de ouro do rádio no país.
Dialogar com essa visão foi o ponto de partida de minha dissertação de mestrado “Nas tramas da fama – As estrelas do rádio em sua época áurea, anos 40 e 50”, defendida no Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em 1996.
A visão frankfurtiana da cultura de massa era dissonante em relação àquilo que me apresentavam os microfilmes da Revista do Rádio, que eu consultava nos arquivos, e, posteriormente, com o que eu ouvia nas gravações remanescentes dos programas de auditório da Rádio Nacional e nas interpretações das cantoras que eu havia escolhido pesquisar: inicialmente, Emilinha Borba e Marlene; numa segunda etapa da pesquisa, Ângela Maria e Dalva de Oliveira vieram fazer companhia às duas primeiras.
Havia vida, intensidade, alegria, humor, paixão, estilos que, através das estrelas do rádio, conformavam uma estética de época – o que simplesmente não se encaixava numa leitura pautada pelo conceito de ideologia; diferentemente, a pesquisa nos arquivos históricos remetia à multiplicidade de expressões e signos colocados em circulação através e por aquelas cantoras.
Na outra ponta do espectro analítico, Edgar Morin propõe em Cultura de massa no século XX – O espírito do tempo (Editora Forense Universitária, esgotado) e As estrelas – Mito e sedução no cinema (José Olympio, esgotado) uma leitura da cultura industrial como um “corpo” de símbolos, mitos e imagens que desempenham um papel de compensação e consolador na existência – ou seja, atende a necessidades psicológicas e emocionais dos indivíduos.
Embora essa leitura amplie a possibilidade de compreensão das relações que o público estabelece com a cultura de massa, ainda assim coloca as estrelas do rádio (ou de cinema) no campo da representação, desconsiderando sua potência de constituição de um campo estético e de sensibilidade – processo que se dá na própria constituição e circulação das estrelas do rádio enquanto figuras públicas nos auditórios, nas revistas especializadas, nas canções de seu repertório e em seu estilo de interpretação.