Filho do galego

Pílulas sobre a história da língua portuguesa (2)
Descendente, o português acabou por ganhar reino próprio, ao contrário do galego, que ficou circunscrito à Espanha

Foto: Picography/Iso Republic

Texto publicado em 8/01/2020

Lendas de mil anos deram cores a Portugal:

Afonso Henriques, o Afonso I, leva a mãe engaiolada de batalha em batalha.

O bispo de Coimbra abomina o ato e o adverte. Mas Afonso I está irredutível.

O infante está para ser excomungado quando ordena o mouro Çoleima como bispo. Ao ser declarado herege, Afonso I ameaça mutilar um cardeal enviado pelo papa.

Em fuga, o cardeal consegue recompor-se a ponto de obter a excomunhão de todo o reino. Afonso I o persegue até Santa Maria de Vimieira e toma-lhe um sobrinho como refém. De resgate, exige uma carta papal reconhecendo o reino e sua soberania.

Portugal teria se tornado, assim, a 1ª região europeia a virar Estado.

Os documentos da época dão versões de toda espécie à emergência do reino: após a derrota na Batalha de São Mamede, D. Teresa e Fernão Pérez de Trava, coniux et viro meo (cônjugue e meu homem), não teriam sido presos, mas fugido para Limia, na Galícia, onde a mãe do rei de Portugal morreria em 1130.

No campo de batalha, D. Afonso Henriques recebe a visita de um velho, o mesmo com que El Rei havia sonhado. Para garantir seu triunfo, diz o mensageiro de Deus, El Rei deveria sair do acampamento quando tocasse a sineta da ermida. Ao seguir a orientação do velho, D. Afonso vê um raio de luz em forma de cruz. Só então conquistou seu reino. O fato é que a norte do atual Portugal e Noroeste da atual Espanha, a Galícia passou a orbitar o reino espanhol.

Em 1279, o rei D. Diniz transferiu o gentílico “português” ao nome da língua do reino, dando a ela um Estado autônomo, o que não se aplicava ao galego.

E assim, em terras galegas, avançou uma variante do português que Portugal não controlava.

A filologia tradicional concede ao português ser neto do latim vulgar, mas tem dificuldade de vê-lo como filho do galego.

Mas o português arcaico do século XII era de origem galego-portuguesa.

O latim bárbaro, que se resumia ao idioma artificial dos notários e tabeliães, aos poucos foi povoado pelo vernáculo das ruas, que o verniz latino não mais escondia.

Há registro de palavras portuguesas já no século IX, mas a língua só firmaria autonomia mais tarde, pouco antes da era das navegações.

As colônias assimilariam com dificuldade esse crioulo galaico-fenício-romano-suevo-moçárabe vindo com as caravelas.

O Brasil do início preferia a língua geral, de base tupi, corrente entre o nativo, o conquistador lusitano e os europeus de outras línguas.

As colônias ampliariam a vocação híbrida que tornou suas variantes do português uma invenção de vários contatos, um lugar de fluxos e de sofisticadas impurezas.

 

Fonte: Paul Tessier. História da língua portuguesa. São Paulo, Martins Fontes, 2005. / Marcos Bagno. Sete erros aos quatro ventos. São Paulo, Parábola, 2013: 50.

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Curtas

  •   Teve início em 29/06  a websérie “Caminhos do Devir – Volta às aulas pós-Covid-19”, com o debate sobre “Como aplicar a gestão de crises para planejar a volta às aulas de forma segura”. Os educadores e sócio-fundadores da Devir Projetos Educacionais, Luis Laurelli e Eloisa Ponzio, além do consultor Flávio Schmidt, consultor em gestão de crises do Grupo Trama Comunicação, analisaram as estratégias, cuidados e precauções para garantir uma volta às aulas que possa assegurar a saúde de professores e crianças e a tranquilidade das famílias. A conversa teve a mediação do editor do Trem das Letras, Rubem Barros. O encontro marcou também o lançamento do e-book “A Covid-19 nas escolas e o caminho para a retomada do presencial”, disponível para download, que pontua sobre os passos da retomada.  Texto publicado em 25/06/2020

  • O ano de 2020 marca o final do mandato de 12 dos 24 conselheiros do CNE, o Conselho Nacional de Educação. A primeira lista com sugestões de substitutos, deixada pelo ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, provavelmente na correria a caminho do aeroporto, era composta principalmente por olavistas. Gerou resistência até dentro do próprio governo Bolsonaro. Diante do freio, puxado pelos militares, o ministro interino, Antonio Paulo Vogel de Medeiros, está fazendo uma nova rodada de discussão para a escolha de outros nomes.  A Casa Civil será um dos principais interlocutores para definir a lista final. Se o padrão das escolhas continuar o mesmo de outras áreas, é provável que as escolas cívico-militares ganhem fôlego inaudito. Texto publicado em 25/06/2020

  • Além do Fundeb, é preciso ficar de olho na possível votação da Medida Provisória 934, que estabelece normas de excepcionalidade para a educação básica e superior em 2020. O relatório da deputada Luísa Canziani (PTB/PR) manteve entre as emendas que devem ir a plenário a liberação da obrigatoriedade do cumprimento das 800 horas para a educação infantil e de oferta da educação a distância na mesma etapa. A relatora deixa a decisão nas mãos dos gestores municipais. Além de contrariar todas as evidências científicas e pedagógicas que enfatizam os prejuízos da educação a distância para as crianças de até 5 anos, a medida pode significar a abertura da porteira para os grupos privados que atuam no negócio da educação a distância. Com as redes de ensino sufocadas pela falta de dinheiro, com aumento das despesas por causa da pandemia e queda na arrecadação de impostos de até 24%, impactando diretamente no Fundeb, principal fonte de recursos para a educação básica pública, a EAD pode ser vista por muitos como solução milagrosa. Mas será apenas um instrumento para cumprir a obrigação legal de oferta de ensino. E inadequado, no caso da educação infantil. É preciso ver o que falará mais alto, se o rigor burocrático ou o bom senso. Texto publicado em 25/06/2020

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