Duas visões sobre o novo Fundeb em debate

Salomão Ximenes, professor de políticas públicas na UFABC, e Caio Callegari, economista e coordenador de temas ligados a financiamento no Todos pela Educação, falam sobre projeto de lei em tramitação

Foto: Sergey Klimkin/Iso Republic

Texto publicado em 12/11/2019; corrigido em 18/11/2019

Enquanto a economia brasileira continua derrapando ante a expectativa de uma largada suficientemente convincente após cinco anos – dois de depressão profunda e outros três de soluços de crescimento sempre menores do que o esperado – as áreas sociais permanecem sofrendo. Num ano em que tudo que a educação pública pode comemorar foram os descontingenciamentos, termo que, além de horroroso, mascara a compreensão da situação real, o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) ainda espera por sua incorporação definitiva à Constituição Brasileira, antes que a atual vigência venha a caducar.

Aprovado em 2006 e vigorando desde 2007 em substituição ao Fundef, o antigo fundo do ensino fundamental, o atual Fundeb termina no final de 2020. Segundo o próprio Ministério da Educação, o fundo é, hoje, responsável por 63% dos recursos para financiamento da educação básica pública brasileira.

O Fundeb é uma cesta de impostos municipais, estaduais e federais, centralizados e distribuídos nos estados para seus respectivos municípios. O ICMS, Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, é a principal fonte de arrecadação. Na prática, são 27 cestas de impostos, com a complementação da União para aqueles com menor arrecadação. Hoje, nove estados são beneficiados por essa complementação da União, que é de 10% do valor do fundo. Neste ano, o Fundeb deve atingir os R$ 156,3 bilhões, sendo que a complementação da União é de R$ 14,3 bilhões (10% de R$ 142 bilhões).

O modelo do fundo, com valor de repasse calculado a partir do número de matrículas nos estados e municípios e pequenas variações por etapa educacional, é uma das maiores unanimidades em termos de políticas públicas. A não ser onde moram os fantasmas, ou seja, nos detalhes.

No caso, os “detalhes” são pontos fundamentais para a aprovação do novo Fundeb, objeto de uma Proposta de Emenda à Constituição na Câmara Federal (PEC 15/2015, da deputada Raquel Muniz, do PSC/MG) e duas no Senado Federal (PEC 33/2019, de Jorge Kajuru, PSB/GO, e PEC 65/2019, de Randolfe Rodrigues Rede/AP e outros): o percentual de complementação da União e a forma de redistribuição dos valores para os municípios.

Segundo a assessoria da deputada Dorinha Rezende (DEM/TO), relatora da PEC 15/15 e autora de proposta de substitutivo, ela e o senador Flávio Arns (Rede/PR) estão trabalhando em conjunto para unificar a redação das propostas e facilitar sua aprovação.

Depois de uma rejeição pública à proposta feita na minuta que a deputada divulgou em setembro, sugerindo subir a contribuição da União de 15% para 40% em onze anos, com variações anuais positivas de 2,5 pontos percentuais, ao que parece já há mais abertura no MEC para negociação. Ao menos é o que diz a assessoria da deputada. Já a Assessoria de Comunicação do Ministério diz apenas que a posição oficial da pasta é a defesa do “aumento do montante de recursos para a educação básica e o aprimoramento dos critérios de distribuição, a fim de assegurar que o dinheiro chegue a municípios mais pobres”.

O MEC propôs o aumento dos atuais de 10% de contribuição para 15%, com elevação de um ponto percentual por ano até 2026. O ministro Weintraub defende também “a implementação de critérios que melhorem o desempenho da educação básica atrelados à eficiência na aplicação dos recursos”.

O outro ponto, o da distribuição de recursos para estados e municípios, traz um debate mais sutil: o que opõe as visões de equidade e igualdade. Na verdade, opõe segmentos diferentes e visões diferentes nos campos da economia e da política, e em como a educação se situa em meio a ambas. Quando se fala em equidade, o princípio que se defende é o que vincula uma certa justiça distributiva, com ajustes que diminuem o recebimento de municípios que têm outras fontes de arrecadação, em prol daqueles que não conseguem chegar ao nível mínimo por aluno. No caso da igualdade, a defesa é de manutenção das verbas para esses municípios em melhor condição e de maior elevação para os outros.

Por ora, o ponto de convergência é a incorporação do Fundeb à Constituição Federal de forma definitiva como fonte financiadora principal da educação básica. Para que o leitor de Trem das Letras possa fazer sua análise dessas duas visões centrais (há outras, ainda), seguem-se entrevistas com estudiosos que têm se dedicado ao tema: de um lado o professor da Universidade Federal do ABC, Salomão Ximenes, que tem o direito à educação como um de seus principais temas de estudo; de outro, o economista Caio Callegari, mestrando em administração pública e governo na FGV-SP e coordenador de projetos no movimento Todos pela Educação, instituição em lidera as discussões relativas a financiamento da educação e políticas para a redução de desigualdades.

Na sua opinião, quais os principais pontos de consenso para a renovação do Fundeb?

Salomão Ximenes – O primeiro consenso a ser afirmado no atual contexto é a própria permanência do fundo. A conjuntura não é favorável a essa agenda, francamente articulada às pretensões de evolução de um Estado social, quando as propostas governamentais visam o oposto: a conversão da Constituição de 1988 em um texto sem direitos e ultraliberal em termos econômicos. Isso porque em termos culturais e educacionais o que se pretende é o oposto ao liberalismo: obscurantismo e a censura. Outro ponto é concordar sobre a necessidade de elevação da participação da União no financiamento da educação básica. Hoje, o governo federal entra com menos de 20% do que é gasto em educação básica no país e isso não se deve ao fato de financiar o ensino superior público. É necessário prever no Fundeb um mecanismo seguro de elevação progressiva do gasto na educação básica, e que este mecanismo não induza à competição por recursos com a educação superior.

Nesse sentido é bastante adequada a previsão, no substitutivo da deputada Dorinha Rezende (DEM/TO), de limitação a 7,5% do montante da complementação da União que pode ser contabilizado para efeito de cumprimento do mínimo constitucional em Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE). Também é positivo que o relatório tenha adotado um critério híbrido na distribuição da complementação, mantendo o critério atual de repartição conforme o Valor Aluno-Ano (VAA) médio de cada estado e, a partir dos 10% de complementação, a esse critério agregando o Valor Aluno-Ano Total (VAAT) de cada ente federativo, independentemente do estado em que estão situados.

Caio Callegari – De consenso real, hoje – diante do caos fiscal e educacional que seu fim produziria em todo o país -, percebo apenas a necessidade de que o Fundeb seja perpetuado com um desenho de distribuição de recursos em fundos estaduais de acordo com o número de matrículas nas redes de ensino.

Há alguns meses, o cenário era diferente. As vozes no debate ecoavam que o Fundeb deveria virar permanente e ser aprimorado em dois sentidos: maior complementação da União e maior equidade redistributiva do seu desenho (com a adoção do modelo VAAT – Valor Aluno Ano Total – na complementação da União, por exemplo).

Esses continuam sendo elementos com maior convergência sobre o futuro do plano. Mas, com a polarização que se acentuou, não se pode mais dizer que são consensos. A polarização abriu margem para questionamentos sobre por que tornar o Fundeb permanente e aumentar a complementação da União.

Qual percentual de repasse da União para complementar o fundo você propõe? Em que baseia seu cálculo no que diz respeito às necessidades da educação e às restrições fiscais?

Salomão Ximenes – Defendo conceitualmente um financiamento solidário da educação básica entre as três esferas da federação, superando-se a visão de responsabilidade meramente supletiva e redistributiva da União. Na prática, isso significaria uma participação mínima progressiva da União da ordem de 50% do total arrecadado por municípios, estados e DF, destinados obrigatoriamente ao Fundeb. Há muitas formas de operacionalizar essa ideia e o relatório substitutivo da deputada Dorinha à PEC 15/15 caminha nesse sentido ao incorporar os seguintes princípios: elevação substancial e progressiva da complementação da União (lá se propõe alcançar 40% de complementação em 11 anos, progressividade que parece compatível com as necessidades da gestão fiscal e da dívida pública); a preservação do critério distributivo atual, a adoção do VAAT e, progressivamente, do Custo Aluno Qualidade (CAQ); e a não contabilização de inativos nas despesas obrigatórias em MDE e no Fundeb. As estimativas da Fineduca sobre o CAQ inicial (CAQi) – levando em conta só o piso do magistério na base das carreiras, e não a efetiva valorização apontada no PNE, e as matrículas atuais, por exemplo – indicam que seria necessária hoje uma complementação da União da ordem de 46%. Portanto, avançar no sentido do CAQ, de um financiamento que inverta a lógica da mera divisão aritmética de recursos para uma lógica de expansão de direitos, assegurando o básico a todos, exigiria certamente uma complementação desta ordem. A proposta da deputada Dorinha contempla tal avanço ao estipular em 40% a complementação mínima, o que indica que a partir desse ponto o montante adicional deveria ser determinado pelas necessidades do CAQ. Em termos práticos e conjunturais o importante é assegurar uma elevação imediata da complementação logo com a aprovação, uma evolução progressiva no tempo e que a possibilidade de evoluir ainda mais para a garantia do CAQ fique inscrita na Constituição.  

Caio Callegari – O Todos Pela Educação defende, desde 2017, que a complementação da União deve ser ampliada. Não defendemos um percentual final porque isso depende da equação fiscal, que só o Congresso poderá resolver para garantir que a complementação da União seja exequível e sustentável; não temos informações suficientes sobre viabilidade econômica e política para tal sugestão.

Mas defendemos que, para o começo do novo ciclo do Fundeb, a complementação seja de no mínimo 15%, o que é possível do ponto de vista fiscal, considerando o levantamento de alternativas de curto prazo que fizemos.

Por que esse patamar inicial de no mínimo 15%? Nossa análise se baseia em um cruzamento entre nível de investimento por aluno e Ideb, com dados de 2015. Esse estudo aponta que é estatisticamente muito raro que uma rede de ensino alcance Ideb 6,0 (no EF-1; meta do PNE para 2021) sem que tenha pelo menos R$ 4,3 mil para investir por aluno por ano. Atualizando esse valor pela inflação para 2019, o valor mínimo de referência para uma qualidade básica seria de R$ 5,5 mil por aluno/ano; 45% das redes de ensino estão abaixo desse patamar. 

Mas, se tornarmos o Fundeb mais redistributivo e aumentarmos a complementação para pelo menos 15%, todas as redes de ensino alcançam essa referência mínima, alinhada com o que aponta o PNE para 2021, primeiro ano da vigência do novo fundo.

Há outros pontos de dissenso que considera significativos? Quais?

Salomão Ximenes – Sim. Hoje, no debate do Fundeb, há duas visões. De um lado, aquele que foi assumido pela relatora Dorinha, e diversos segmentos de gestores, políticos, economistas, pesquisadores e movimentos sociais, afirma-se que o maior problema da educação básica a ser enfrentado via Fundeb é o seu crônico subfinanciamento, verificável em praticamente todo o país, como demonstram os indicadores educacionais e a OCDE, com raríssimas e bem conhecidas exceções. Para esse grupo, a solução é elevar progressiva e responsavelmente o gasto educacional, aprimorando os critérios de distribuição. Noutra frente, estão setores comprometidos, explicitamente ou não, com a agenda de redução do papel do Estado promovida desde o governo federal, com o apoio do mercado financeiro. Como há pouca margem para simplesmente se opor ao Fundeb, já que ele mobiliza toda a classe política nas bases e há uma situação típica do que a literatura especializada denomina path dependence (dependência da trajetória), ou seja, seria na prática inviável o desmonte da estrutura de fundos constituída desde o Fundef, esse setor decidiu formular um discurso simpático, cujo objetivo é desviar o foco do problema elementar do subfinanciamento para a equidade. Ou seja, retoma-se assim, agora com certo requinte intelectual, a velha máxima neoliberal que nega o problema concreto do financiamento e o desloca para gestão, em abstrato, por que simplesmente falar em subfinanciamento e justiça social não interessa à sua concepção de Estado e de políticas tributária e fiscal. O genial nessa operação retórica atual é que parece ser progressista, a favor de direitos, quando na verdade esconde um truque. Afinal, quem seria contra maior equidade na educação?

O ponto é que ter como prioridade a equidade e não a igualdade via financiamento muda não só o discurso, mas a agenda política e, principalmente, desloca e pulveriza as responsabilidades. Há quem defenda a mudança total do critério de distribuição, eliminando o atual e adotando o Valor Aluno-Ano Total (VAAT), ou seja, que a totalidade dos recursos constitucionalmente vinculados à educação seja considerada na mensuração da complementação ou, ao inverso, do repasse que cada ente federativo deve ao Fundeb, independentemente de qualquer outro critério. Ainda que progressivamente adotado, esse critério significaria jogar sobre as costas dos estados e das capitais, principalmente, a maior parcela da responsabilidade em redistribuir o financiamento da educação, desviando o foco em duas direções. Primeiro, deixa em segundo plano a responsabilidade da União (e não dos demais entes federativos) em assegurar o padrão de qualidade nacional, conforme determina a Constituição, aspecto essencial em uma federação tão desigual e com tamanhas distorções na estrutura tributária e de incentivos fiscais. Não à toa, esse modelo ganhou rapidamente a simpatia do governo Bolsonaro, interessado em conter a demanda por maior participação da União no Fundeb.

O problema é que os municípios e estados considerados “ricos”, segundo o critério do VAAT, são pobres do ponto de vista do direito à educação, ou seja, do quanto seria necessário investir para assegurar uma educação em condições de qualidade para todos os estudantes. Ou seja, tais entes passariam a financiar os demais ao invés de seguir avançando na estruturação de suas redes, tornando mais valorizada a carreira do magistério e ampliando o acesso na educação infantil e na educação de jovens e adultos, por exemplo. Há quem entenda que retirar recursos de milhões de estudantes e milhares de escolas sob esse critério é alcançar mais equidade, eu digo que é promover retrocesso para “democratizar” a miséria ao invés de reconhecer avanços e construir uma igualdade de direito, ou seja, que elimine todas as situações de financiamento abaixo do Custo-Aluno-Qualidade (CAQ), conforme formulado e proposto pela rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Reforço: essa visão de equidade abaixo do mínimo aceitável é equivocada por que seu resultado prático é a exclusão escolar, a conformidade com a segregação em pequenos nichos de excelência e, portanto, a ineficiência em termos econômicos, educacionais e de justiça social.

Caio Callegari – Os principais dissensos no debate são a respeito do valor da complementação da União e de seu formato – que pode ser mais ou menos redistributivo, mais ou menos socialmente justo. Essa é uma pactuação de quem precisa receber recursos e quem pode doar, ao longo do tempo, incluindo na balança todos os entes federativos.

Mas, para além disso, não podemos esquecer de outros importantes dissensos explícitos, os quais não ganham tantos holofotes: vamos incluir royalties e o 13º do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) na cesta de tributos do Fundeb? Vamos aprimorar a fórmula redistributiva intraestadual para gerar maior equidade em todo o país, inclusive dentro das redes de ensino? Vamos introduzir novos conceitos jurídicos na Constituição Federal, que ampliarão os deveres das redes de ensino? Vamos mudar o cálculo de vinculação mínima de recursos para pagamento de professores? Vamos criar uma complementação da União para quem melhora seus resultados educacionais, como defendem o deputado Rodrigo Maia (DEM) e o governo federal?

A proposta de revisão decenal (ou com qualquer outra frequência) é prioritária?

Salomão Ximenes – Uma Constituição nasce com a pretensão de permanência e rigidez, por isso existem, aliás. Com as emendas passa o mesmo. O que não é típico do direito constitucional é o que ocorreu com as emendas 14 (Fundef) e 53 (Fundeb), ou seja, nascerem com vigência limitada no tempo. O importante é que a nova PEC estabeleça todas as estruturas e princípios básicos do Fundeb, não se deixe levar pela irracionalidade presente, e as eventuais revisões venham no sentido do que a própria PEC propõe, que é a progressividade na garantia de direitos e, portanto, em seu financiamento. Retrocessos nesse campo devem ser considerados inconstitucionais.

Caio Callegari – A revisão periódica é importante porque introduz legalmente o espaço para uma adaptação evolutiva do Fundeb, a qual também deve estar articulada à avaliação periódica dos resultados redistributivos do fundo. Assim, o Fundeb deve ser permanente como uma política de Estado, mas o campo educacional deve estar continuamente preocupado em aprimorá-lo para garantir o direito educacional das crianças e jovens.

Qual o risco de uma reforma tributária tornar o modelo proposto no substitutivo apresentado ao Congresso inviável?

Salomão Ximenes – Esse é um risco e me parece que o sistema de fungibilidade inscrito no substitutivo, ou seja, a previsão de que uma vez eliminado o tributo vinculado ao Fundeb devem ser preservadas as receitas, não responde e nem poderia responder adequadamente a essa questão. Agora, uma grande reforma tributária é das matérias mais difíceis de avançar, por algumas razões: o conflito federativo que expõe abertamente e o fato de o nosso sistema já ser imensamente favorável a quem detém o poder político e econômico, entre outras. Fica assim evidente a quem interessaria mudar um modelo tributário concentrador e voltado a taxar o consumo e o salário e não rendas e propriedades. Portanto, o que se chama de “reforma tributária” é, na realidade, oficializar a evasão e a renúncia fiscal, hoje já praticadas legal e ilegalmente com enormes prejuízos ao financiamento da educação. Quanto a essa tendência geral, posso estar enganado, mas não apostaria em grandes alterações.

Caio Callegari – O modelo trazido pela nova minuta de Substitutivo da PEC nº 15/2015 estipula que qualquer alteração na estrutura tributária no país não resultará em redução do montante mínimo hoje vinculado à Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE). Assim, o Fundeb continuará operando com, no mínimo, a mesma importância tributária atual, sem risco de que uma reforma o inviabilize pela substituição ou extinção de impostos.

Apesar da previsão desse dispositivo de proteção, temos de estar em total estado de alerta para a votação da reforma tributária. Primeiro, porque não é líquido e certo que teremos de fato na Constituição Federal o dispositivo protetivo – isso requer votar a PEC do Fundeb e alterar o teor do fragmento em questão. Segundo, porque a reforma tributária pode se antecipar temporalmente à renovação do Fundeb, mudando toda a estrutura de impostos do país e, consequentemente, tornando defasado e inoperante o atual desenho da cesta tributária do Fundo educacional.

Hoje, a União arrecada mais do que estados e municípios, que são os responsáveis diretos pela maior parte do atendimento em saúde e educação. Defende esse modelo, para que haja maior coordenação federal, ou uma revisão tributária em que os percentuais arrecadados na ponta pudessem aumentar?

Salomão Ximenes – Essa é uma questão que abre muitas outras, vou me limitar a um comentário pontual. A distribuição de atribuições quanto à arrecadação tributária não é uma mera questão de escolha política, ainda que esta seja determinante em muitos casos, mas há toda uma questão relacionada ao tipo de “fato gerador” do tributo, ou seja, quem ou o que se tributa. Portanto, o fato de a União tributar renda, comércio exterior, operações financeiras e folha de pagamentos tem muito mais a ver com eficiência tributária que com justiça federativa. O mesmo se passa, em tese, com os impostos estaduais e municipais. É evidente que há muitas distorções que poderiam ser enfrentadas, a maior delas chama-se ICMS, e não pelos motivos pelos quais ele costuma ser criticado pelos economistas (guerra fiscal etc.), mas porque é uma tremenda distorção, uma injustiça tributária flagrante, que o imposto que mais arrecada no Brasil, de responsabilidade dos estados, aplica-se sobre o consumo de todos, com uma alíquota absurdamente regressiva. Bem, essa é a principal fonte de financiamento do Fundeb, o que, de saída, reduz tremendamente a capacidade redistributiva do fundo e de todo o restante da política social. Portanto, entendo sim ser necessário o fortalecimento da capacidade de arrecadação da União, por intermédio de uma reforma tributária que eleve a tributação sobre renda, sobre capital financeiro e propriedade, o fortalecimento da fiscalização tributária e, em contrapartida, de programas de Estado como o Fundeb, capazes de operar nacionalmente a redistribuição dos recursos a determinadas áreas de políticas públicas prioritárias.

Caio Callegari – Essa é uma questão sobre a qual o Todos pela Educação não discutiu uma posição – a  reforma tributária ou uma revisão mais ampla do pacto federativo. Sendo assim, prefiro não responder.

 

 

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Curtas

  •   Teve início em 29/06  a websérie “Caminhos do Devir – Volta às aulas pós-Covid-19”, com o debate sobre “Como aplicar a gestão de crises para planejar a volta às aulas de forma segura”. Os educadores e sócio-fundadores da Devir Projetos Educacionais, Luis Laurelli e Eloisa Ponzio, além do consultor Flávio Schmidt, consultor em gestão de crises do Grupo Trama Comunicação, analisaram as estratégias, cuidados e precauções para garantir uma volta às aulas que possa assegurar a saúde de professores e crianças e a tranquilidade das famílias. A conversa teve a mediação do editor do Trem das Letras, Rubem Barros. O encontro marcou também o lançamento do e-book “A Covid-19 nas escolas e o caminho para a retomada do presencial”, disponível para download, que pontua sobre os passos da retomada.  Texto publicado em 25/06/2020

  • O ano de 2020 marca o final do mandato de 12 dos 24 conselheiros do CNE, o Conselho Nacional de Educação. A primeira lista com sugestões de substitutos, deixada pelo ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, provavelmente na correria a caminho do aeroporto, era composta principalmente por olavistas. Gerou resistência até dentro do próprio governo Bolsonaro. Diante do freio, puxado pelos militares, o ministro interino, Antonio Paulo Vogel de Medeiros, está fazendo uma nova rodada de discussão para a escolha de outros nomes.  A Casa Civil será um dos principais interlocutores para definir a lista final. Se o padrão das escolhas continuar o mesmo de outras áreas, é provável que as escolas cívico-militares ganhem fôlego inaudito. Texto publicado em 25/06/2020

  • Além do Fundeb, é preciso ficar de olho na possível votação da Medida Provisória 934, que estabelece normas de excepcionalidade para a educação básica e superior em 2020. O relatório da deputada Luísa Canziani (PTB/PR) manteve entre as emendas que devem ir a plenário a liberação da obrigatoriedade do cumprimento das 800 horas para a educação infantil e de oferta da educação a distância na mesma etapa. A relatora deixa a decisão nas mãos dos gestores municipais. Além de contrariar todas as evidências científicas e pedagógicas que enfatizam os prejuízos da educação a distância para as crianças de até 5 anos, a medida pode significar a abertura da porteira para os grupos privados que atuam no negócio da educação a distância. Com as redes de ensino sufocadas pela falta de dinheiro, com aumento das despesas por causa da pandemia e queda na arrecadação de impostos de até 24%, impactando diretamente no Fundeb, principal fonte de recursos para a educação básica pública, a EAD pode ser vista por muitos como solução milagrosa. Mas será apenas um instrumento para cumprir a obrigação legal de oferta de ensino. E inadequado, no caso da educação infantil. É preciso ver o que falará mais alto, se o rigor burocrático ou o bom senso. Texto publicado em 25/06/2020

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